LIVRO I. DOS ELEMENTOS
DE
EUCLIDES


 

POSTULADOS.

  1. Pede-se como cousa possivel, que se tire de um ponto qualquer para outro qualquer ponto uma linha recta.
  2. E que uma linha recta determinada se continue em direitura de si mesma, até onde seja necessario.
  3. E que com qualquer centro e qualquer intervallo se descreva um circulo.


AXIOMAS.

  1. As cousas, que são eguaes a uma terceira, são eguaes entre si.
  2. Se a cousas eguaes se junctarem outras eguaes, os todos serão iguaes.
  3. E, se de cousas eguaes se tirarem outras eguaes, os restos serão iguaes.
  4. E, se a cousas deseguaes se ajunctarem outras eguaes, os todos serão deseguaes.
  5. E, se de cousas deseguaes se tirarem cousas eguaes, os restos serão deseguaes.
  6. As quantidades, das quaes cada uma por si faz o dobro de outra quantidade, são eguaes.
  7. E aquellas, que são ametades de uma mesma quantidade, são tambem eguaes.
  8. Duas quantidades, que se ajustam perfeitamente uma com outra, são eguaes.
  9. O todo é maior do que qualquer das suas partes.
  10. Duas linhas rectas não comprehendem espaço.
  11. Todos os angulos rectos são eguaes.
  12. E se uma linha recta, encontrando-se com outras duas rectas, fizer os angulos internos da mesma parte menores que dous rectos, estas duas rectas, produzidas ao infinito concorrerão para a mesma parte dos dictos angulos internos. ( Veja-se a nota sobre a Proposição29 do Livro I. ).

Estes sinaes = , > , < , de que os Mathematicos usam frequentemente, servem para maior brevidade.

O sinal = significa, que o primeiro termo é egual ao segundo.
> Que o primeiro termo é maior que o segundo.
< Que o primeiro termo é menor que o segundo.
 
Assim A=B significa, que A é egual a B.
A>B que A é maior que B.
A<B que A é menor que B.


 

PROPOSIÇÃO I. PROBLEMA.

Sobre uma linha recta determinada descrever um triangulo equilatero (Fig. 18).


Fig. 18

Seja a linha recta AB de um certo comprimento. Se deve sobre ella descrever um triangulo equilatero.

Com o centro A e com o intervallo AB se descreva ( Post. 3 ) o circulo BCD; e com o centro B e com o intervallo BA se descreva o circulo ACE. Do ponto C, onde os circulos se cortam reciprocamente, se tirem ( Post. 1 ) para os pontos A, B as rectas CA, CB. O triangulo ABC será equilatero. Sendo o ponto A o centro do circulo BCD, será AC=AB ( Definiç. 15 ). E sendo o ponto B o centro do circulo CAE, será BC=BA. Mas temos visto CA=AB. Logo tanto CA, como CB, é egual a AB. Mas as cousas, que são eguaes a uma terceira, são eguaes entre si ( Ax. 1 ). Logo será CA=CB. Logo as tres rectas CA, AB, BC são eguaes; e por consequencia o triangulo ABC, feito sobre a recta dada AB, é equilatero.





PROP. II. PROB.

De um ponto dado tirar uma linha recta igual á outra recta dada ( Fig. 19 ).


Fig. 19

Seja dado o ponto A, e dada tambem a recta BC. Se deve do ponto A tirar uma linha recta egual á recta dada BC.

Do ponto A para o ponto B tire-se ( Post. 1 ) a recta AB, e sobre esta se faça ( Prop. 1, 1 ) o triangulo equilatero DAB; e se produzam ( Post. 2 ) as rectas AE, BF em direitura das rectas DA, DB. Com o centro B e o intervallo BC se descreva ( Post. 3 ) o circulo CGH; e tambem com o centro D e o intervallo DG se descreva o circulo GKL. Sendo o ponto B o centro do circulo CGH, será BC=BG ( Def. 15 ). E sendo D o centro do circulo GKL, será DL=DG. Mas as partes DA, DB das rectas DL, DG são eguaes. Logo, tiradas estas, as partes residuas AL, BG serão tambem eguaes ( Ax. 3 ). Mas temos demonstrado, que é BC=BG. Logo cada uma das duas AL, BC será egual a BG. Mas as cousas eguaes a uma terceira, são eguaes entre si. Logo será AL=BC; e por consequencia temos tirado do ponto A a linha recta AL egual a outra dada BC.





PROP. III. PROB.

Dadas duas linhas rectas deseguaes, cortar da linha maior uma parte egual á linha menor ( Fig. 20 ).


Fig. 20

Sejam as duas rectas deseguaes AB, e C, e seja AB maior. Se deve da recta maior AB cortar uma parte egual á recta menor C.

Do ponto A se tire ( Pr. 2, 1 ) a recta AD=C. Com o centro A e o intervallo AD se descreva ( Post. 3 ) o circulo DEF. Porque o ponto A é o centro do circulo DEF, será AE=AD. Mas é tambem C=AD. Logo tanto AE, como C, será egual a AD; e por consequencia AE=C ( Ax. 1 ). Logo temos tirado da recta maior AB uma parte egual á recta C<AB.





PROP. IV. THEOREMA.

Se dous triangulos tiverem dous lados eguaes a dous lados, cada um a cada um; e os angulos, comprehendidos por estes lados, forem tambem eguaes, as bases e os triangulos, e os mais angulos, que são oppostos a lados eguaes, serão tambem eguaes ( Fig. 21 ).


Fig. 21

Sejam os dous triangulos ABC, DEF, cujos lados AB, AC; DE, DF são eguaes, cada um a cada um, isto é, AB=DE, e AC=DF; e seja o angulo BAC=EDF. Digo, que a base BC é egual á base EF; e que o triangulo ABC é egual ao triangulo DEF; e que os outros angulos do primeiro triangulo são eguaes aos outros do segundo, cada um a cada um, segundo ficam oppostos a lados eguaes; isto é, o angulo ABC=DEF, e ACB=DFE.

Considere-se posto o triangulo ABC sobre o triangulo DEF, de sorte que o ponto A caia sobre o ponto D, e a recta AB sobre a recta DE. O ponto B cairá sobre o ponto E, por ser AB=DE. Ajustando-se pois AB sobre DE, tambem a recta AC se ajustará sobre a recta DF, sendo o angulo BAC=EDF. Logo sendo AC=DF, o ponto C cairá sobre o ponto F. Mas temos visto, que B cai sobre E. Logo a base BC se ajustará sobre a base EF. Porque, se não se ajustarem, caindo B em E, e C em F, se seguirá, que duas linhas rectas comprehendem um espaço, o que não póde ser ( Ax. 10 ). Logo a base BC se deve ajustar sobre a base EF, e por consequencia são eguaes. Logo todo o triangulo ABC se ajusta sobre todo o triangulo DEF, e assim são eguaes; e os outros angulos do primeiro triangulo tambem se ajustam sobre os outros do segundo e são eguaes; isto é, o angulo ABC=DEF, e ACB=DFE.





PROP. V. THEOR.

Em qualquer triangulo isosceles os angulos, que estão sobre a base, são eguaes; e produzidos os lados eguaes, os angulos, que se formam debaixo da base, são tambem eguaes ( Fig. 22 ).


Fig. 22

Seja o triangulo isosceles ABC com os lados eguaes AB, AC, os quaes sejam produzidos para D e E. Digo, que será o angulo ABC=ACB, e CBD=BCE.

Tome-se na recta BD um ponto qualquer F; e da recta AE>AF se corte ( Pr. 3, 1 ) a parte AG=AF; e se tirem as rectas FC, GB. Sendo AF=AG, e AB=AC; as duas FA, AC serão eguaes ás duas GA, AB, cada uma a cada uma. E além disto comprehendem o angulo comum FAG. Logo a base FC será egual ( Pr. 4, 1 ) á base GB; e o triangulo AFC egual ao triangulo AGB; e os mais angulos eguaes aos mesmos angulos, cada um a cada um; isto é, os que são oppostos a lados eguaes, como ACF=ABG, e AFC=AGB. E sendo AF=AG, e AB=AC, tirando AB de AF e AC de AG, ficará BF=CG ( Ax. 3 ). Mas temos demonstrado, que FC=GB. Logo as duas BF, FC são eguaes ás duas CG, GB, cada uma a cada uma; e o angulo BFC=CGB. Mas a base BC é commum aos dous triangulos FBC, GCB. Logo estes dous triangulos são eguaes ( Pr. 4, 1 ); e os mais angulos delles, que forem oppostos a lados eguaes, são tambem eguaes. Logo será o angulo FBC=GCB, e BCF=CBG. Assim sendo o angulo total ABG egual ao total ACF, como se tem demonstrado; e sendo CBG=BCF, tirando CBG de ABG e BCF de ACF, ficará o angulo ABC=ACB, que são os angulos sobre a base BC do triangulo isosceles ABC. E já se tem provado FBC=GCB, que são os angulos debaixo da base BC.

COROL. Disto se segue, que todo o triangulo equilatero é tambem equiangulo.





PROP. VI. THEOR.

Se dous angulos de um triangulo forem eguaes, os lados, oppostos a estes angulos eguaes, serão tambem eguaes ( Fig. 23 ).


Fig. 23

Seja o triangulo ABC, e seja o angulo ABC=ACB. Digo, que será AB=AC.

Se não for AB=AC, uma destas duas rectas será maior que a outra. Seja AB a maior, e desta, que é maior, se corte ( Pr. 3, 1 ) DB=AC, que é menor. Tire-se a recta DC. Sendo DB=AC, e BC commum, serão as duas DB, BC eguaes ás duas AC, CB, cada uma a cada uma. Mas é o angulo DBC=ACB. Logo a base DC será egual á base AB; e o triangulo DBC egual ( Pr. 4, 1 ) ao triangulo ACB, o que é absurdo, porque DBC é menor, que ABC. Logo as rectas AB, AC não são deseguaes, e por consequencia deve ser AB=AC.

COROL. Desta proposição se infere, que todo o triangulo equiangulo é tambem equilatero.





PROP. VII. THEOR.

Sobre a mesma base e da mesma parte não se podem construir dous triangulos differentes, que tenham os outros lados eguaes; isto é, os dous, que partem de um mesmo termo da base e os outros dous, que partem do outro, não podem ser eguaes ( Fig. 24, 25 ).


Fig. 24

Fig.25

Se é possivel, estejam sobre a mesma base AB, e da mesma parte, os dous triangulos ACB, ADB que tenham tanto os lados CA, DA, como os lados CB, DB eguaes entre si.

Tire-se a recta CD. Ou nenhum dos vertices dos triangulos cai dentro do outro triangulo, ou um vertice de um triangulo está dentro do outro triangulo. Primeiramente nenhum vertice esteja dentro de um dos dous triangulos. Sendo AC=AD, será o angulo ACD=ADC ( Pr. 5, 1 ). Mas o angulo ACD é maior que o angulo BCD. Logo será ADC>BCD, e por consequencia BDC será muito maior que BCD. Tambem sendo CB=DB, será o angulo BDC=BCD ( Pr. 5, 1 ). Mas tem-se demonstrado BDC>BCD. Logo BDC será egual e maior ao mesmo tempo, que BCD, o que não pode ser.

Agora o vertice D do triangulo ADB esteja dentro do outro triangulo ACB ( Fig. 25 ). Produzam-se as rectas AC, AD para os pontos E, F. Sendo AC=AD, serão os angulos ECD, FDC, que são debaixo da base CD, eguaes ( Pr. 5, 1 ). Mas é o angulo ECD>BCD. Logo será FDC>BCD, e BDC será muito maior, que BCD. E porque é CB=DB, será BDC=BCD ( Pr. 5, 1 ). Mas temos visto ser BDC>BCD. Logo BDC será egual e maior ao mesmo tempo, que BCD, o que é egualmente absurdo.

Supposto que um vertice de um triangulo cáia sobre um lado do outro triangulo, não ha mister demonstração alguma.





PROP. VIII. THEOR.

Se dous triangulos tiverem dous lados eguaes a dous lados, cada um a cada um, e as bases tambem eguaes, os angulos, comprehendidos pelos lados eguaes, serão tambem eguaes ( Fig. 26 ).


Fig. 26

Sejam dous triangulos ABC, DEF, e seja o lado AB=DE, e AC=DF, e tambem a base BC=EF outra base. Digo, que será o angulo BAC=EDF.

Posto o triangulo ABC sobre o triangulo DEF de sorte, que o ponto B caia em E, e a recta BC sobre a recta EF, tambem o ponto C deve cahir sobre o ponto F, por ser BC=EF; e assim ajustando-se BC com EF, as duas BA, AC se ajustarão com as duas ED, DF. E, se ajustando-se a base BC sobre a base EF, quizermos, que os lados BA, AC se não ajustem sobre os lados ED, DF, mas tenham outro logar, como EG, GF; se poderão construir sobre a mesma base, e da mesma parte dous triangulos, cujos lados, partindo de uma e outra extremidade da base commum, sejam eguaes. Mas isto é impossivel ( Pr. 7, 1 ). Logo se a base BC se ajusta sobre a base EF, os lados BA, AC se devem ajustar sobre os lados ED, DF, e por consequencia o angulo BAC sobre o angulo EDF. Logo será BAC=EDF ( Ax. 8 ).






PROP. IX. PROB.

Dividir em duas partes eguaes um angulo rectilineo dado ( Fig. 27 ).


Fig. 27

Seja dado o angulo rectilineo BAC. Se deve dividir este angulo em duas partes eguaes.

Tome-se na recta AB qualquer ponto D, e da recta AC corte-se ( Pr. 3, 1 ) a parte AE=AD; e tirada a recta DE, sobre esta se faça ( Pr. 1, 1 ) o triangulo equilatero DEF, e se tire AF. Digo, que o angulo BAC fica dividido em duas partes eguaes pela recta AF.

Sendo AD=AE e AF commum; nos dous triangulos FDA, FEA os dous lados DA, AF serão eguaes aos dous lados EA, AF, cada um a cada um. Mas é a base DF=EF outra base. Logo será o angulo DAF=EAF ( Pr. 8, 1 ); e por consequencia o angulo rectilineo dado BAC fica dividido pela recta AF em duas partes eguaes.






PROP. X. PROB.

Dividir em duas partes eguaes uma linha recta de um comprimento dado ( Fig. 28 ).


Fig. 28

Seja dada a linha recta determinada AB. É preciso dividi-la em duas partes eguaes.

Faça-se ( Pr. 1, 1 ) sobre a recta dada AB o triangulo equilatero ABC; e com a recta CD se divida ( Pr. 9, 1 ) em duas ametades o angulo ACB. Digo, que a recta AB fica dividida em duas partes eguaes no ponto D.

Porque sendo AC=CB, e CD commum, serão as duas AC, CD eguaes ás duas BC, CD, cada uma a cada uma. Mas é o angulo ACD=BCD. Logo será ( Pr. 4, 1 ) a base AD=DB outra base. Logo temos dividido a recta determinada AB em duas partes eguaes no ponto D.


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