Na jubilação de Manuela Sobral

(depoimento num volume de homenagem)

João Filipe Queiró

2/5/2014

 

 

Fui aluno de Manuela Sobral em quatro disciplinas do meu curso e de nenhum outro professor fui em mais.

 

A primeira e a última dessas quatro disciplinas são as que recordo melhor.

 

No 2.º semestre do 2.º ano, tive Manuela Sobral como docente da disciplina de Probabilidades e Estatística. Recordo isto porque, à distância, essa regência aparece como surpreendente. Desconheço as circunstâncias que na altura levaram a tal distribuição de serviço. As aulas eram claras mas achei a matéria difícil (e o país andava distraído). Só à segunda tentativa consegui uma nota razoável.

 

Mais marcante foi a disciplina de Álgebra Homológica, no 2.º semestre do 4.º ano (ano lectivo de 1976-77). O curso de licenciatura tinha então cinco anos, divididos entre três anos de bacharelato (cujo diploma ainda hoje guardo com orgulho) e dois anos de especialização científica conduzindo à licenciatura propriamente dita. Uma lógica 3+2, portanto, radicalmente diferente da de hoje, em que também temos 3+2 mas os três primeiros anos chamam-se licenciatura e os dois finais mestrado. Deve ser a isto que se chama progresso.

 

No ramo de especialização que frequentei, mais virado para a Álgebra e a Análise Funcional, éramos quatro estudantes: Ana Isabel Rosendo, Maria Joana Soares, António Leal Duarte e eu próprio. Em Álgebra Homológica estudámos grande parte do livro A Course in Homological Algebra, de Hilton e Stammbach. Dedicámos algum tempo à Teoria das Categorias, assunto novo para nós os quatro. Manuela Sobral conseguiu motivar-nos fortemente naquela hiper-abstracção. Nunca mais esqueci a “caça aos elementos” em diagramas, o “five lemma”, o lema de Yoneda.

 

Na altura estudava com frequência em conjunto com um amigo de Engenharia Mecânica, que depois se fixou em Lisboa e teve uma carreira internacional notável. Sempre que nos encontrámos nas décadas seguintes, ele perguntava, risonho: “Então como vai a Álgebra Homológica?”

 

Na mesma época passei a pertencer à Linha de Álgebra do CMUC, liderada por Graciano de Oliveira, e em que também estava Manuela Sobral. Os seus interesses matemáticos levavam a algum isolamento científico, numa Linha então maioritariamente composta por pessoas interessadas em Teoria das Matrizes. No final da década de 70 e no princípio da de 80 esteve mais afastada, preparando o seu doutoramento com um orientador da África do Sul.

 

Depois de regressar, conseguiu, lenta mas seguramente, interessar jovens de grande qualidade pela Teoria das Categorias, estando aí a origem do sólido grupo que hoje existe em Coimbra nessa área.

 

Pelo meu lado, à condição de aluno de Manuela Sobral juntei a de colega e em todos estes anos fui um seu admirador, pela obra pessoal e pela escola que construiu.

 

No Departamento foi sempre uma voz serena. E escutada, como costuma acontecer aos que não desperdiçam as palavras.

 

Uma antipática lei sobre a idade obriga hoje Manuela Sobral a alterar ligeiramente os seus hábitos. Como fui seu aluno, devo ter alguns anos menos. É um cliché observar-se que a diferença das idades de duas pessoas se mantém constante. É mais interessante olhar para o quociente. Este não é constante e, à medida que t cresce, aproxima-se de 1. Nunca atinge 1, mas isso a matemáticos não faz qualquer impressão. Se se aproximar bastante, já é muito bom.


É esse o voto que hoje formulo. E associo-me, com o maior gosto, à homenagem à professora e investigadora que é Manuela Sobral.