(depoimento num volume de homenagem)
      
 
 
Fui
          aluno de
          Manuela Sobral em quatro disciplinas do meu curso e de nenhum
          outro professor
          fui em mais.
A
          primeira e
          a última dessas quatro disciplinas são as que recordo melhor.
No
          2.º
          semestre do 2.º ano, tive Manuela Sobral como docente da
          disciplina de
          Probabilidades e Estatística. Recordo isto porque, à
          distância, essa regência
          aparece como surpreendente. Desconheço as circunstâncias que
          na altura levaram
          a tal distribuição de serviço. As aulas eram claras mas achei
          a matéria difícil
          (e o país andava distraído). Só à segunda tentativa consegui
          uma nota razoável.
Mais
marcante
          foi a disciplina de Álgebra Homológica, no 2.º semestre do 4.º
          ano
          (ano lectivo de 1976-77). O curso de licenciatura tinha então
          cinco anos,
          divididos entre três anos de bacharelato (cujo diploma ainda
          hoje guardo com
          orgulho) e dois anos de especialização científica conduzindo à
          licenciatura
          propriamente dita. Uma lógica 3+2, portanto, radicalmente
          diferente da de hoje,
          em que também temos 3+2 mas os três primeiros anos chamam-se
          licenciatura e os
          dois finais mestrado. Deve ser a isto que se chama progresso.
No
          ramo de
          especialização que frequentei, mais virado para a Álgebra e a
          Análise
          Funcional, éramos quatro estudantes: Ana Isabel Rosendo, Maria
          Joana Soares,
          António Leal Duarte e eu próprio. Em Álgebra Homológica
          estudámos grande parte
          do livro A Course in
            Homological Algebra,
          de Hilton e Stammbach. Dedicámos algum tempo à Teoria das
          Categorias, assunto
          novo para nós os quatro. Manuela Sobral conseguiu motivar-nos
          fortemente naquela
          hiper-abstracção. Nunca mais esqueci a “caça aos elementos” em
          diagramas, o
          “five lemma”, o lema de Yoneda.
Na
          altura
          estudava com frequência em conjunto com um amigo de Engenharia
          Mecânica, que
          depois se fixou em Lisboa e teve uma carreira internacional
          notável. Sempre que
          nos encontrámos nas décadas seguintes, ele perguntava,
          risonho: “Então como vai
          a Álgebra Homológica?”
Na
          mesma
          época passei a pertencer à Linha de Álgebra do CMUC, liderada
          por Graciano de
          Oliveira, e em que também estava Manuela Sobral. Os seus
          interesses matemáticos
          levavam a algum isolamento científico, numa Linha então
        maioritariamente
        composta por pessoas interessadas em Teoria das Matrizes. No
        final da década de
        70 e no princípio da de 80 esteve mais afastada, preparando o
        seu doutoramento
        com um orientador da África do Sul.
Depois
        de regressar, conseguiu, lenta mas seguramente, interessar
        jovens de grande
        qualidade pela Teoria das Categorias, estando aí a origem do
        sólido grupo que
        hoje existe em Coimbra nessa área.
Pelo
          meu
          lado, à condição de aluno de Manuela Sobral juntei a de colega
          e em todos estes
          anos fui um seu admirador, pela obra pessoal e pela escola que
          construiu.
No
Departamento
          foi sempre uma voz serena. E escutada, como costuma acontecer
          aos
          que não desperdiçam as palavras.
Uma
antipática
          lei sobre a idade obriga hoje Manuela Sobral a alterar
          ligeiramente
          os seus hábitos. Como fui seu aluno, devo ter alguns anos
          menos. É um cliché
          observar-se que a diferença das
          idades de duas pessoas se mantém constante. É mais
          interessante olhar para o
          quociente. Este não é constante e, à medida que t cresce, aproxima-se de 1. Nunca atinge 1, mas
          isso a matemáticos
          não faz qualquer impressão. Se se aproximar bastante, já é
          muito bom.