Duas notas sobre o documento

“Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática”

(parecer enviado ao responsável do respectivo grupo de trabalho)

 
João Filipe Queiró
Departamento de Matemática -Universidade de Coimbra

(3/11/2019)

Só muito recentemente tomei conhecimento da existência do documento referido em epígrafe. Por esse motivo, não tenho possibilidade de elaborar uma crítica extensa. Ficar-me-ei por duas breves observações.

São feitas citações selectivas do relatório sobre o projecto Reanimat, em que colaborei há doze anos. Tendo os dois outros autores, António St.Aubyn e Frederico Valsassina Heitor, já falecido, sinto necessidade de corrigir uma situação em que chega a tomar-se como crítica ao projecto uma simples constatação de facto. Refiro-me à classificação como “aspecto negativo” do Reanimat, atribuída aos autores do relatório, o facto de a intenção deste ser “chegar a estudantes cujo perfil é o de continuação de estudos no ensino superior com forte componente de Matemática”, quando essa intenção foi clara e assumida desde o início.

O facto é que o relatório sobre o Reanimat argumenta longamente contra o espírito que preside às presentes “Recomendações”, em especial no que se refere ao Ensino Secundário, que era o âmbito do projecto.

Por este motivo, coloquei o relatório online, no endereço

http://www.mat.uc.pt/~jfqueiro/Reanimat.pdf

agradecendo que as citações que dele são feitas contenham esta indicação.

A segunda observação refere-se às recomendações contidas no final do documento em análise. Sem tempo para comentá-las todas, proponho formalmente que sejam acrescentados aos princípios da “Recomendação 3” os seguintes.

Sobre a Escola:

• A Escola é um local de transmissão e aprendizagem de valores e conhecimentos. A transmissão e o ensino são actividades que distinguem os humanos.
• É necessário elevar os alunos para além do seu contexto e experiência individual, sem o que a Escola perde o papel de igualizador social e, pelo contrário, contribuirá para perpetuar desigualdades. Não se deve sobrevalorizar o contexto dos alunos. A Escola não é um espelho que reflecte cada aluno mas sim uma janela sobre o mundo, a natureza, a história, o conhecimento.

Sobre a Matemática:

• A Matemática é um corpo de conhecimento essencial, pela sua antiguidade, permanência, universalidade e aplicabilidade.
•  A natureza da Matemática é ser um edifício dedutivo, em que o principal critério de validação e segurança é o rigor lógico, devendo no ensino ser valorizadas as metodologias activas que motivam os alunos e reforçam a qualidade da aprendizagem.

Sobre o ensino:

• Não deve ser desprezada a memorização, fundamental para o avanço e a partilha do conhecimento.
• Devem ser explicitadas as enormes diferenças que há no ensino da Matemática a crianças do 1.º ciclo e a jovens adultos do Ensino Secundário.

Sobre o Ensino Secundário:

• A referência ao carácter dedutivo da Matemática e a respectiva subordinação de conteúdos e práticas deve ser obrigatória e permanente no Ensino Secundário.
• Se nem todo o currículo de Matemática no Secundário deve ser elaborado a pensar em quem pretende prosseguir estudos em vias de Ciências e Engenharias, deve prestar-se grande atenção a esses perfis, em particular prevendo percursos diferenciados a nível de cargas horárias e exigência de conteúdos.