Matemática e Ambiente: A redescoberta dos fundamentos básicos

Carlos Borrego, Ana Isabel Miranda

Dep. Eng. Ambiente, Univ. Aveiro

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A constatação de que a Humanidade vive num mesmo planeta, fazendo parte da sua biosfera, contribuiu significativamente para o reconhecimento crescente da interdependência e da necessidade de proteger o ambiente, não só para a civilização actual, mas também para as gerações futuras. Um dos aspectos mais importantes, associado à complexidade dos processos ambientais, que os cientistas, os académicos, os engenheiros e mesmo os políticos, são actualmente instados a reconhecer é a natureza interdisciplinar das ciências do ambiente. O rápido desaparecimento da divisão tradicional entre experimentalistas e teóricos e a colaboração activa entre disciplinas (classicamente separadas) de física, química, biologia, matemática, informática, etc., procurando interactivamente as inter- -relações existentes, constituem a base do sucesso dos actuais especialistas do ambiente. Para compreender os fenómenos ambientais e resolver as suas consequências, é indispensável o suporte matemático, quer na qualificação dos dados resultantes da experimentação, quer na sua descrição científica. De facto, os sistemas naturais são função de diversos factores não lineares, sendo o seu estudo melhor sucedido quando ocorre em sistemas experimentais e numéricos, o que implica forçosamente simplificações. Apesar destas, o modelo mental que cada engenheiro do ambiente tem de um sistema apenas necessita de ser formalizado matematicamente para se tornar numa "arma" poderosa. E um engenheiro do ambiente necessita de "armas" poderosas: enquanto a física analisa o ecossistema como um conjunto de partículas e a química se preocupa com a sua composição, a engenharia do ambiente não só as divide em partículas vivas e mortas, como também descreve as suas principais interacções funcionais no sistema ambiental. A procura do suporte matemático para compreender o ambiente está associada aos instrumentos disponíveis para a resolução de modelos, isto é, quer os métodos numéricos quer os computadores modernos. Por exemplo, os sofisticados modelos de qualidade do ar são resolvidos em potentes computadores, obtendo os engenheiros do ambiente a previsão dos episódios de poluição do ar, com uma elevada resolução espacial e temporal. No entanto, a complexidade dos processos atmosféricos ultrapassa a capacidade dos computadores actuais. Presentemente, os dados simulados resultam da aplicação de métodos numéricos na resolução de sistemas de equações às derivadas parciais, que representam os processos dinâmicos na atmosfera, aos quais se juntam alguns milhares de reacções químicas que integram os fenómenos da qualidade do ar. Estes complexos sistemas de equações necessitam de condições iniciais e de fronteira que têm de ser fornecidas ao modelo, para que os resultados da simulação sejam tão precisos quanto possível. Estes dados podem ser o resultado de outras simulações ou podem provir de observações. Às incertezas numéricas relacionadas com os métodos numéricos e com as capacidades computacionais dever-se-ão associar as incertezas das observações referentes à precisão dos equipamentos, tempos de amostragem, médias temporais, etc.. O valor final, o denominado valor "real", resulta do uso de muitas e diferentes técnicas matemáticas, tais como, métodos variacionais, técnicas analíticas, estatística aplicada, etc.. Este trabalho pretende dar uma perspectiva geral sobre a utilização da matemática na engenharia do ambiente, fornecendo exemplos ilustrativos deste contributo que, apesar de focarem essencialmente os processos atmosféricos, são também aplicáveis a qualquer outro processo ambiental. A redescoberta desta ligação entre as ciências básicas, de onde emergem as ciências aplicadas - de que a engenharia é um bom exemplo -, leva a confirmar a necessidade imperiosa de dar uma formação forte e alargada em ciências ditas fundamentais aos alunos universitários. Apenas esta base científica garante tranquilidade num mundo em constante mutação e onde a interdisciplinaridade se tornou incontornável.