José Carlos Torres

Descoberta de Planetas extra-solares

 
 
 
 

 
A questão da unicidade do mundo terrestre esteve no coração da revolução astronómica que se deu no início do século XVII. Foi com o anúncio por parte de Galileu que, com a sua luneta, teria observado satélites de Júpiter, que se deu desencadear de um misto de incredibilidade e de entusiasmo. Desde essa época, a história da Astronomia foi pontuada por observações espectaculares de novos planetas: Urano em 1781, Neptuno em 1846 e Plutão em 1930

Não havendo maneira de fugir às evidências da não existência de vida nesses objectos, os astrónomos começaram a desinteressar-se pelo assunto, até porque a detecção destes objectos tão pouco luminosos parecia inacessível aos instrumentos da altura e outros problemas se punham...

Neste fim de século XX, os meios de observação voltaram a dar vida a esta questão da existência de «novos mundos». Os anúncios de novas descobertas precipitam-se. Já há várias dezenas de objectos em volta de estrelas próximas: alguns são planetas telúricos, parecidos com a Terra, outros são planetas gigantes, parecidos com Júpiter, e os últimos anãs castanhas, astros intermédios entre estrelas e planetas.

Planetas, anãs castanhas e estrelas

No sistema solar, existem dois tipos de planetas: os pequenos planetas ou planetas telúricos, próximos do sol, pequenos e rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra e Marte), e os planetas gigantes, mais longínquos, grandes e menos densos, essencialmente gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno). Os astrofísicos calcularam que os planetas não se podem engrossar indefinidamente, provavelmente além de 12 ou 13 vezes a massa de Júpiter, quinto planeta do nosso sistema solar, 318 vezes mais maciço que a Terra. Entre este limite e até às 70 ou 80 vezes a massa de Júpiter, encontramos uma categoria particular dos objectos: as anãs castanhas. Elas têm o brilho das mais pequenas estrelas e a corpulência dos maiores planetas mas, dum ponto de vista físico elas não são um nem outro. Para lá das anãs castanhas situam-se as estrelas. Estas últimas têm todas uma massa superior a 70-80 vezes a massa de Júpiter, isto é aproximadamente 0,07-0,08 vezes a massa do Sol.
 
Júpiter - o maior planeta do sistema solar

Resenha histórica

A busca de planetas extra-solares começou no início dos anos oitenta. Um telescópio estacionado num satélite observou várias estrelas que nada tinham a ver umas com as outras. Uma delas, b-Pictoris, concentrou logo as atenções. Pouco a pouco, os astrónomos adquiriram uma convicção : o vasto disco de gás e de poeira que contorna esta estrela abriga um planeta gigante de formação recente.

Um tal disco constitui ele próprio um prelúdio indispensável à génese de um planeta seja qual for o sistema estelar? Elaborada no século XVIII a partir do sistema solar, a teoria da nebulosa primitiva afirma-o. Os detalhes do cenário ficam ainda por precisar. As primeiras observações suscitam um leque de questões e lançam a dúvida sobre a exemplaridade do nosso sistema solar. Será que se deve questioná-la?

Em todo o caso, os planetas gigantes extra-solares detectados rodam em torno das suas respectivas estrelas em órbitas que, para a maioria dos astrónomos, de qualquer maneira são inesperadas.

Quanto aos planetas telúricos identificados, eles acompanham os pulsares, isto é, os objectos gerados por explosão duma estrela em supernova. Como é fácil de perceber surgiu por isto um enigma que ainda hoje espera resolução: como sobreviveram eles a um acontecimento deste tipo, serão eles formados após a explosão e por que mecanismos? A procura de astros relativamente escuros dissipou, por outro lado, uma dúvida. Em Dezembro de 1995, os astrónomos identificaram sem a menor ambiguidade o primeiro espécimen estelar que ao longo dos tempos permaneceu no domínio das especulações: as anãs castanhas. No entanto, as temperaturas reinantes à superfície destas estrelas abortadas são muito elevadas para que se possa imaginar um desenvolvimento biológico.

Para dizer a verdade nenhum dos planetas detectados hoje em dia oferece um quadro muito hospitaleiro. Mas a aventura só agora começou. As técnicas de observação contribuem hoje em dia para que a identificação de planetas extra-solares sejam banais. As chances de determinar a posição de um planeta telúrico que não esteja nem muito perto, nem muito longe da sua estrela, têm vindo a aumentar...

Métodos de detecção de "outros mundos"

Neste capítulo estão incluídos os métodos que, hoje em dia, estão à disposição dos astrónomos. Existem cinco aproximações aos métodos utilizados: 
  1. imagens directas,
  2. perturbações gravitacionais, 
  3. ocultação, 
  4. lentes gravitacionais,
  5. campo magnético.
O método utilizado para o caso da 51-Pegasi refere-se à segunda aproximação. Por conseguinte, irei fazer apenas uma pequena abordagem aos outros métodos, cingindo-me em seguida e mais profundamente ao método utilizado por Mayor e Queloz no caso da 51-Pegasi.

Na primeira aproximação (imagens directas) temos o método das imagens directas que não é mais do que o método mais natural: se queremos ver alguma coisa vamos tentar... vê-la. Este tem três desvantagens. Primeiro, os planetas não têm brilho próprio, segundo, a luz que atravessa o sistema óptico do telescópio sofre um fenómeno de difracção que altera a imagem das estrelas, e por último, a nossa atmosfera degrada as imagens. No entanto, com o recurso a telescópios estacionados em plataformas espaciais, é possível hoje em dia obter imagens que podem levar mais facilmente à descoberta de novos planetas. Em 1998, o famosíssimo Hubble deu a imagem do que poderá ser um novo planeta extra-solar :
 
Fonte: NASA

A terceira aproximação (ocultação) consiste em observar a ocultação (parcial) da estrela atrás do planeta. Com efeito se um planeta se interpuser sobre a linha de visada da estrela em torno da qual ele roda, então a estrela perderá um pouco do seu brilho, o tempo de ocultação.

A quarta aproximação (lentes gravitacionais) baseia-se no seguinte princípio: se a luz emitida por uma estrela longínqua passa nas proximidades dum objecto maciço (um planeta por exemplo) os raios luminosos são desviados. A luminosidade da estrela encontra-se então brevemente ampliada. Esse efeito de amplificação gravitacional é tanto mais marcada quanto a massa do objecto sombra, chamado lente, for maior e quanto mais longínquo ele estiver. Um factor de ampliação de 10 a 100 pode deste modo ser observada nos casos mais favoráveis.

A quinta aproximação (campo magnético) consiste em detectar planetas a partir da procura de ondas decamétricas (ondas rádio no domínio de comprimento de onda decamétrico). Esta tem a ver com a detecção de ondas rádio provenientes do campo magnético de origem interna dos planetas, se o possuírem.

A segunda aproximação (perturbações gravitacionais) consiste em descobrir as perturbações da trajectória duma estrela sob o efeito do campo de gravidade produzido pelo planeta. Com efeito, uma estrela acompanhada dum planeta descreve em torno do centro de gravidade do par estrela-planeta uma trajectória quase circular onde o raio é proporcional em relação às massas dos dois objectos (quanto maior a massa do planeta, maior a amplitude do movimento aparente da estrela). Logo, podemos procurar a presença dum planeta tentando perceber as oscilações da estrela em torno do centro de gravidade. Para isso dispomos de três métodos:

  1. Tentar por em evidência a variação de posição. Procurar as variações de velocidade da estrela analisando o seu espectro. Quando a estrela se aproxima de nós, os fotões que ela imite tendem para comprimentos de onda curtos (azul); quando ela se afasta tendem para comprimentos de onda longos (vermelho).
  2. Medir a distância da estrela ao observador. Se os sinais que ela emite chegam periodicamente com adiantados ou retardados, isso indica que a distância à estrela variou. Este método é particularmente adaptado ao caso dos pulsares.
  3. Método das velocidades radiais. Este foi o método utilizado no caso da 51-Pegasi, e vai ser desenvolvido em seguida.

Método das velocidades radiais

Neste caso procuramos a modulação da velocidade da estrela (efeito de Doppler). Esta informação está, com efeito, inscrita no espectro da estrela. Quando esta se aproxima do observador, os seus raios espectrais encontram-se deslocados para comprimentos de onda curtos, o comprimento de onda tende para o azul tanto mais que a sua velocidade é elevada e portanto o planeta tem maior massa. Quando, ao contrário, ela se afasta de nós, é porque houve lugar a um semi-período de revolução mais tarde, os raios são «avermelhados». A título de ilustração, a velocidade do Sol induzida unicamente pela presença de Júpiter será de 13 ms-1. No caso do par Terra-Sol, essa velocidade seria reduzida a 10 cms-1! A melhor precisão que sabemos conseguir com os nossos instrumentos é da ordem de alguns metros por segundo... Estamos portanto mesmo no limite de podermos apenas detectar planetas com pelo menos a massa de Júpiter por este método.

Um grande inconveniente surge. Da análise espectral, nós não deduzimos directamente a massa M do planeta, mas sim o produto da massa M pelo seno do ângulo de inclinação (i) do sistema estrela-planeta em relação ao ângulo de visada (seja a quantidade M ´ sin i). Daqui tiramos um limite inferior para a massa do planeta (ou da anã castanha). Assim, para a correcta identificação do tipo de corpo celeste presente, esta massa deverá ser precisada, seja aplicando conjuntamente uma outra aproximação (das já referidas), seja a partir de considerações físicas mais ou menos ad hoc sobre o sistema planetário observado.

O caso 51-Pegasi

Foi com este método (velocidades radiais) que Michel Mayor e Didier Queloz descobriram um planeta gigante (51-PegasiB) em torno da estrela 51-Pegasi, em Setembro de 1995, após um seguimento sistemático e em tempo real das velocidades de uma centena de estrelas a partir do Observatório de Haute-Provence, em França. Este planeta está afastado apenas oito milhões de quilómetros ( por exemplo, o planeta mais próximo do Sol, Mercúrio, gravita a sessenta milhões de quilómetros), da sua estrela do tipo do Sol, a 51-Pegasi. A 51-PegB tem uma massa mínima de 0.5MJ (massa de Júpiter ou seja 1.9´ 1030 g). A muito pequena distância entre este companheiro e a 51Peg não está prevista nos modelos correntes sobre formação de planetas gigantes. Como a temperatura é superior a 1,300 K, este objecto parece estar perigosamente perto do limite de evaporação térmica de Jeans!

Na figura 1, pode-se facilmente constatar a variação da velocidade radial da 51 Peg que permitiu a Mayor e Queloz comprovar a presença de um corpo a orbitar em torno desta estrela. 
 
Variação da velocidade radial, onde a linha sólida representa o movimento orbital da 51 Peg.

Dos parâmetros da solução da órbita da 51 Peg tiram-se algumas considerações. Um período orbital de 4.23 dias é um pouco curto, mas binários de período curto não são excepção entre estrelas do tipo do Sol. Apesar deste período orbital não surpreender em estrelas binárias, ele é intrigante quando consideramos a massa obtida do acompanhante:

M2 sin i =0.47± 0.02 MJ

onde i é o (desconhecido) ângulo de inclinação da órbita e MJ é a massa de Júpiter (1.9´ 1030g).

Características da estrela 51-Pegasi

51 Peg (HR8729,HD217014 ou Gliese 882) é uma estrela muito semelhante ao Sol , localizada 13.7 parsec (ou 45 anos luz) afastada. Análises fotométricas e espectrópicas indicam uma estrela ligeiramente mais velha que o Sol, com uma temperatura à superfície similar (Sol : 5,780 K ; 51Peg : 5,775 K), com um raio R de 1.29 RSol (RSol=6.96´ 105 km) e ligeira superabundância de elementos pesados. A idade estimada, derivada da sua luminosidade e temperatura à superfície, é típica duma estrela de disco galáctica velha. A superabundância de elementos pesados numa estrela destas é digna de nota. Mas isto não é certamente uma peculiaridade vendo a dispersão observada nas propriedades metálicas estelares a uma dada idade.

Limite superior para a massa

Como referido anteriormente, este método não permite deduzir directamente a massa do planeta M2, mas sim M2 sin i. Foi então necessário recorrer a métodos complementares (exemplo actividade cromosférica) para deduzir um limite inferior de 0.4 para sin i. Isto corresponde a um ângulo de inclinação i de 23º 34´ e um limite superior para a massa do planeta de 1.2 MJ. mesmo que se considere um desalinhamento tão grande como 10º, a massa do acompanhante tem de ser mesmo assim 2MJ, bem abaixo da massa das anãs castanhas, o que põe de parte esta hipótese.

Conclusões

Este método não permite a descoberta de um planeta como a Terra já que está limitado à descoberta de planetas com, no mínimo, a massa de Júpiter. Isto porque os espectógrafos estão limitados na sua precisão aos 15 ms-1 e o movimento reflexo do Sol induzido unicamente por Júpiter é 13 ms-1 (convém não esquecer que Júpiter é o maior planeta do sistema solar, logo o que mais influencia este movimento do Sol). Outra limitação deste método é a de não permitir ao cálculo directo da massa do objecto detectado, passo essencial para a acreditação das observações e identificação dos objectos em causa. Assim, só com uma evolução destes instrumentos, um dia se poderá descobrir com este método planetas telúricos, como a Terra, para lá do nosso sistema solar e que apresentem condições favoráveis à formação de vida. Os planetas gigantes detectados com este método, são de uma maneira geral do tipo gasoso e impossíveis de suportar alguma espécie de vida. É lógico que este não é o único caso que faz com que os astrónomos se entusiasmem, e um exemplo disso foi dado por esta grande descoberta de Mayor e Queloz que, imagine-se só, poderia ter posto em causa a formação do nosso próprio sistema solar!!!

Bibliografia

  1. Michel Mayor & Didier Queloz– "A Jupiter-mass companion to a solar-type star". In Nature, Vol. 378, pag. 355-359, 23 de Novembro de 1995, Inglaterra.
  2. «Les Nouvelles Planètes». In Recherche, n.º 290, pag. 42-60, Setembro de 1996, França.
  3. Parte II do programa da cadeira de Astronomia, F.C.T.U.C, 1999/2000.
José Carlos Torres
Estudante de Engenharia Geográfica
Trabalho elaborado no âmbito da cadeira Astronomia
E-mail: jose_torres@portugalmail.pt