0pinião de António Monteiro

A opinião de António Monteiro, que vamos aqui registar, vem expressa um artigo intitulado "O Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira", (Gaz. Mat., n(o)15 (1943), pp. 8-9).

A primeira notícia que a Gazeta de Matemática deu deste prémio, foi precisamente no seu n(o)1, em Janeiro de 1940. Mais tarde, Hugo Ribeiro, numa pequena nota intitulada "O Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira" (Gaz. Mat., n(o) 10 (Abril de 1942)) chama novamente a atenção para esse prémio, a ser atribuído anualmente a alunos universitários, para galardoar, mediante concurso, o melhor trabalho de matemáticas puras. Ao prémio pode concorrer qualquer estudante universitário português com menos de vinte e cinco anos de idade, que tiver frequentado com aproveitamento, durante, pelo menos, um ano, algum estabelecimento universitário, onde sejam professadas as matemáticas puras.

Dada a importância do prémio como factor estimulante, quer para os estudantes, quer para os professores incentivarem os estudantes, António Monteiro, no seu artigo de Maio de 1943, depois de notar que, até àquela altura, o prémio não tinha sido atribuído, nem sequer tinha aparecido um concorrente com um trabalho de matemáticas puras, observou:

"É certo que o ensino das Ciências Matemáticas se encontra no nosso país num estado de atraso considerável (ainda recentemente um professor universitário declarou aos seus alunos que esse atraso era de cerca de um século); as correntes vitais do pensamento matemático moderno não são ainda ensinadas entre nós, não existe uma atmosfera de interesse efectivo pela investigação matemática entre os estudantes das escolas superiores; mas todas estas circunstâncias deviam precisamente galvanizar a vontade dos professores progressivos, que existem entre nós, para criarem entre os estudantes uma atmosfera de interesse pelo Prémio Gomes Teixeira. Na realidade, a criação desse prémio foi acolhida praticamente com uma indiferença quase geral. Que esforços se fizeram e que iniciativas se tomaram nas escolas superiores para levar os alunos a realizarem trabalhos de investigação? Que temas de trabalho se propuseram aos alunos para esse efeito?"

E mais adiante, António Monteiro declarou:

"Como todos sabem, não existe uma escola matemática portuguesa; limitamo-nos a ter uma meia dúzia de investigadores entre os quais não há nenhum que se possa considerar um grande matemático da nossa época. Não temos nenhum centro de investigação matemática importante. Há em Portugal umas revistas de matemática, criadas recentemente, uma sociedade de matemática que esboça os primeiros passos, não existem praticamente clubes de matemática, etc." (...)

"A nossa cultura matemática só pode ser refundida e melhorada, só pode ser conduzida a um nível altamente qualificado por indivíduos que tenham a consciência da situação em que nos encontramos e que estejam animados duma fé inabalável na capacidade criadora da nossa juventude estudiosa.

O desinteresse que existe pelo Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira é um índice revelador do estado em que se encontra o ambiente matemático das nossas escolas. Num país em que é obrigação legal dos professores do ensino superior a realização de trabalhos de investigação científica, a realização desses trabalhos inspiraria por certo os discípulos mais atentos, se os resultados obtidos fossem expostos em conferências e cursos livres."

E António Monteiro prossegue:

"O exemplo é contagioso para a juventude. O primeiro passo a dar para que o Prémio Gomes Teixeira encontre um ambiente adequado junto aos estudantes é que os professores de matemática das escolas superiores consagrem a sua actrividade à realização de trabalhos de investigação, como está indicado na lei, que exponham aos seus alunos os resultados, encorajando-os e animando-os na realização de trabalhos de investigação."

Já antes, em Abril de 1942 (Gaz. Mat., n(o) 10, p. 25), António Monteiro dizia que lhe parecia evidente a necessidade de publicar um jornal que teria por título Movimento Matemático, precisamente,

"porque o nosso país anda longe das correntes vitais do pensamento matemático moderno e porque o nosso ensino das ciências matemáticas necessita de uma remodelação completa: remodelação dos programas de estudo, da organização da Licenciatura em Ciências Matemáticas, da preparação dos professores do ensino secundário, das provas de doutoramento e dos métodos de recrutamento de pessoal docente universitário."

Em face do nosso atraso científico, tão documentado, não é de estranhar que as referências que, no estrangeiro, são feitas à situação da ciência em Portugal, sejam pouco lisonjeiras.

Assim, na Histoire Générale des Sciences, publicada sob a direcção de René Taton, no Tomo III - La Science Contemporaine, vol I - Le XIXe siècle, no capítulo intitulado La Vie Scientifique e na parte destinada a informar sobre La Situation Dans Les Différents Pays, são ocupadas um pouco mais de duas páginas [cada página tem 41 linhas], com as informações relativas à França; quase página e meia com as informações relativas à Alemanha, quase duas páginas com as informações relativas à Grã-Bretanha, quase uma página com as informações relativas à Itália, 16 linhas com as informações relativas à Suiça, 20 linhas com as informações relativas à Bélgica e Holanda em conjunto, 25 linhas com as informações relativas à Escandinávia, uma página com as informações relativas à Europa Central e Danubiana.

Para informar sobre a vida científica (no século XIX) da Península Ibérica, isto é, englobando Portugal e Espanha, são reservadas apenas 9 linhas. E nessas 9 linhas, diz-se o seguinte (pp.628-629):

"Na Península Ibérica, duramente atingida pelas guerras napoleónicas, apesar de algumas tentativas de reforma liberal, as condições políticas continuam pouco favoráveis a um livre progresso da ciência. Entretanto, o reagrupamento das universidades permite dar uma nova vida aos centros mais importantes: Lisboa, Valência, Barcelona e, sobretudo, Madrid. Na alvorada do século XX, esta última universidade será dotada de vários institutos cuja vitalidade é atestada pela influência do grande histologista S. Ramon y Cajal que obterá o Prémio Nobel de Medicina em 1906 pelos seus trabalhos sobre a estrutura do sistema nervoso."


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