Ofensiva governamental contra a Universidade Portuguesa

Nos anos de 1946 e 1947, o regime salazarista desencadeou uma ofensiva contra a Universidade Portuguesa.

Por diversos processos, foram afastados do ensino universitário (do Porto, de Lisboa e de Coimbra) ou impedidos de nele entrarem, entre outros: Bento Caraça, Mário de Azevedo Gomes, Ruy Luís Gomes, Pulido Valente, Fernando Fonseca, Ferreira de Macedo, Peres de Carvalho, Dias Amado, Celestino da Costa, Cândido de Oliveira, Adelino da Costa, Cascão de Anciães, Mário Silva, Torre de Assunção, Flávio Resende, Zaluar Nunes, Remy Freire, Crabée Rocha, Manuel Valadares, Armando Gibert, Lopes Raimundo, Laureano Barros, José Morgado, Morbey Rodrigues, Alfredo Pereira Gomes, Augusto Sá da Costa, Virgílio Barroso, Jorge Delgado, Hugo Ribeiro, António Monteiro, Fernando Soares David, Marques da Silva, António Santos Soares.

Nos outros graus de ensino, houve também professores que foram afastados e muitos licenciados que foram impedidos de se profissionalizarem como professores, por simples informação da PIDE.

Os Centros de Matemática foram praticamente extintos. As actividades da Sociedade Portuguesa de Matemática não foram expressamente proibidas, mas foram proibidas em qualquer dependência do Ministério da chamada Educação Nacional.

Quando o matemático espanhol Germán Ancochea esteve em Lisboa, para fazer uma conferência sobre Geometria Algébrica, a única maneira que tivemos de arranjar local para que a conferência pudesse ser feita foi convidarmos o colega espanhol para almoçar no English Bar e, depois do almoço, juntaram-se as mesas e ele fez a conferência no English Bar, visto que não podíamos usar nenhuma dependência do chamado Ministério da Educação.

O Seminário de Matemática para matemáticos e físicos, que era realizado no laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa e dirigido por Hugo Ribeiro, passou a ser feito numa dependência de sua casa no Murtal, São Pedro do Estoril. A casa de Hugo Ribeiro, no Murtal, foi promovida a Universidade do Murtal!...

No Porto, o Seminário de Matemática foi transferido para a casa de Neves Real, na Rua Almada. A casa de Neves Real passou a ser conhecida como a Universidade da Rua do Almada!...

Não foi possível à Sociedade Portuguesa de Matemática reunir a Assembleia Geral para eleger nova Direcção e, da última Direcção eleita, apenas o Vice-Presidente pôde conservar o seu lugar de professor.

Não apenas isso, alguns tiveram de sair de Portugal para poderem continuar a trabalhar em Matemática; outros tiveram que passar períodos, mais ou menos longos, nas prisões da PIDE e ainda outros tiveram de mudar de profissão.

Mas as revistas foram salvas! Zaluar Nunes sempre, enquanto viveu, conseguiu que a Portugaliae Mathematica fosse publicada. Gaspar Teixeira, sempre conseguiu que a Gazeta de Matemática se mantivesse até depois do 25 de Abril e ainda, depois do falecimento de Zaluar Nunes, sempre conseguiu que a Portugaliae Mathematica continuasse a ser publicada até depois do 25 de Abril.

A Sociedade Portuguesa de Matemática, mesmo depois de impedida de realizar as suas reuniões e de eleger nova direcção, ainda durante algum tempo, depois de 1947, conseguiu apoiar financeiramente um ou outro número da Gazeta e da Portugaliae e fazer-se representar em uma ou outra reunião matemática internacional.

Apesar de tudo, a Resistência Matemática funcionou!

Se conseguirmos defender as liberdades democráticas, tão duramente alcançadas, se conseguirmos convencer os governantes de que a investigação científica e, em particular, a investigação matemática é essencial à salvaguarda da própria independência nacional, venceremos definitivamente o isolamento científico e o atraso que ele provocou ao nosso país.


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