UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO E DEPARTAMENTOS UNIVERSITÁRIOS

 

 

Cristina Sernadas

Centro de Matemática Aplicada do Instituto Superior Técnico, UTL

Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, UTL

 

 

Contexto

O tema Unidades de Investigação e Departamentos Universitários merece com certeza a nossa atenção, quer pela sua actualidade, quer pela sua controvérsia. Assim, aceitei de bom grado o amável convite que a organização deste Debate julgou por bem dirigir-me para partilhar convosco algumas reflexões sobre o assunto.

Estas reflexões são o corolário directo da "mais do que variada" experiência em termos de integração institucional das minhas actividades de investigação. Desde 1980 passei sucessivamente por Unidades e Departamentos que estabeleciam as mais diversas relações entre si, a saber:

  1. Centro de Estatística com relações muito estreitas com o Departamento de Estatística da FCUL.
  2. Departamento de Computação da FCUL sem vínculo a qualquer Unidade de Investigação.
  3. Desde 1986, Departamento de Matemática do IST e:
    1. INESC com relações difíceis entre ambos;
    2. ISR com excelentes relações entre ambos;
    3. CMA (Centro de Matemática Aplicada), onde me encontro actualmente, o qual agrega cerca de metade dos docentes do Departamento de Matemática e ainda alguns docentes de outras universidades.

[Listei esta sequência de afiliações apenas com o objectivo de compreenderem o meu ponto de vista e, assim, poderem dar-lhe a importância relativa devida.]

 

Dicotomia tradicional

Embora reconhecendo a fortíssima tradição de separar em Portugal os Departamentos das Unidades de Investigação, julgo que é de reflectir sobre as vantagens (e desvantagens) de manter tal separação.

Esta separação é devida sobretudo aos mecanismos paralelos de financiamento, efeito que começou há muitas décadas com o Instituto de Alta Cultura, continuou com a JNICT e o INIC, e se mantém com a actual FCT.

Uma desvantagem da dicotomia Unidade / Departamento é óbvia:

As vantagens mais flagrantes também são conhecidas:

De facto, só num período muito curto da minha vida após o doutoramento não pude beneficiar da integração numa Unidade de Investigação distinta do Departamento. Embora curta, a experiência foi suficientemente "intensa" para não hesitar em continuar a defender a separação, haja ou não um preço significativo adicional a pagar a nível da complexidade da gestão de duas (ou mais) entidades que partilham muitos recursos.

 

Estruturação temática

Tomando como dada a filosofia de separação, põe-se a questão de como estruturar as Unidades de Investigação e os seus relacionamentos com os Departamentos de que são oriundos os seus investigadores.

Várias estratégias são possíveis (e não vou dizer nada de novo, mas apenas observar o que se tem vindo a praticar), sendo de destacar:

  1. Unidade monodisciplinar com duas variantes:

    1. Unidade unitemática multidepartamental: Como a designação indica, corresponde a uma Unidade que reúne investigadores, tipicamente oriundos de diversas Escolas, especialistas em determinado tema (exemplo: um hipotético Centro de Geometria).
    2. Unidade multitemática unidepartamental: Neste caso, a Unidade reúne investigadores especialistas em diversos temas, possivelmente com poucas interacções entre as actividades nesses temas, e procura a sua "identidade" no facto de tipicamente congregar docentes oriundos do mesmo Departamento e que, portanto, partilham naturalmente recursos e preocupações (exemplo: CMUC).

  1. Unidade interdisciplinar multidepartamental: Neste modelo, a Unidade, normalmente de grande dimensão, congrega especialistas de diversas disciplinas (por exemplo, Engenharia e Matemática) com o fim de, ao transpor as fronteiras dessas disciplinas, ser capaz de trazer valor acrescentado à resolução de problemas que exigem a contribuição de peritos com abordagens bem diferentes (exemplo: INESC).

Outras variantes são evidentes e encontram-se facilmente no nosso universo, mesmo apenas entre as Unidades de Matemática ou com vertente significativa de Matemática.

De entre as Unidades monodisciplinares, a política actual de avaliação e financiamento das Unidades de Investigação protege claramente a primeira estratégia (Unidade unitemática). Com efeito, tem-se vindo a assistir a uma progressiva pulverização das Unidades, certamente por muito boas razões, mas também porque é mais simples obter a excelência numa Unidade pequena que congregue os melhores num tema onde os haja.

Imagino que este fenómeno seja apenas um efeito colateral não premeditado da avaliação. Mas, inadvertido ou não, julgo que será de o combater.

De facto, se há virtualidades na primeira estratégia, também as há na segunda!

Uma Unidade multitemática tem a vantagem de permitir e eventualmente promover as acções intertemáticas (a exemplo do que se passa no nosso Centro CMA). Mas, sobretudo, tem a vantagem de congregar numa só Unidade grupos em diferentes estádios de maturação e desenvolvimento científico. Os grupos mais avançados podem, assim, servir de modelo aos que dão os primeiros passos ou os que têm de arrepiar caminho e procurar os métodos mais correctos de trabalho (também aqui o nosso Centro serve de exemplo). Sublinho que um desses grupos isolado como Unidade autónoma dificilmente seria capaz de se desenvolver.

Assim, defendo que a FCT reveja o "script" de avaliação de modo a promover a criação e manutenção de Unidades monodisciplinares multitemáticas: para tal, bastará que os grupos temáticos de tais centros sejam classificados separadamente (para além da Unidade como um todo, claro).

Em conclusão, destas reflexões deve ficar claro para todos que, dentro da filosofia monodisciplinar, prefiro a estruturação multitemática, congregando numa unidade diversos grupos temáticos que estejam abertos a acções intertemáticas e que partilhem naturalmente recursos e preocupações comuns à disciplina em causa.

Julgo que a prazo este será o modelo de sucesso. A sua abrangência e facilmente maior massa crítica e flexibilidade serão trunfos suficientes, desde que os grupos mais eficazes da Unidade possam servir de exemplo aos colegas.

Mas não posso deixar de me referir ainda ao modelo da Unidade interdisciplinar que tanto êxito tem obtido noutros países. As suas virtualidades são conhecidas de todos e, por isso, não vale a pena referi-las aqui. Mas, com base na experiência do nosso grupo, que durante muitos anos esteve precisamente integrado em Unidades interdisciplinares, gostaria apenas de deixar uma palavra de cautela: uma Unidade interdisciplinar para funcionar como tal exige que seja dirigida por investigadores de excepcional visão que saibam "voar" acima das suas disciplinas de origem e que saibam resolver os conflitos epistemológicos e metodológicos inevitáveis.

Assim, julgo que o investimento nas Unidades interdisciplinares deve ser muito cuidadoso e progressivo, assentando numa experiência sólida de muitos projectos interdisciplinares anteriores.

 

Bairrismo departamental

Na relação entre Departamentos e Unidades de Investigação há outro fenómeno, bastante preocupante, que merece ser analisado. Tem-se vindo a assistir a uma progressiva actuação dos Departamentos no sentido de "obrigar" (mas talvez esta seja "ainda" uma palavra demasiado forte) os seus docentes a afiliarem-se em Unidades da mesma Escola.

Este efeito seria de esperar dado o prestígio e financiamento que uma Unidade bem classificada atrai para a respectiva Escola. Mas, exactamente por ser natural, deverá ser combatido sempre e na medida em que puser em causa a inclusão dos seus docentes na Unidade de Investigação mais adequada. Se há temas em que pouco ou nada haverá a criticar por este ou aquele investigador ser "pressionado" para se integrar nesta ou naquela Unidade, também há temas onde os interesses nacionais mandam que os interesses mesquinhos dos Departamentos e Escolas não impeçam a agregação numa só Unidade dos poucos investigadores activos nesses temas.

Aqui a FCT deverá actuar uma vez mais com o mecanismo da "cenoura" de modo a compensar o "chicote" mais ou menos descabido dos Departamentos e Escolas. Talvez seja de actuar a dois níveis: (i)  beneficiar de algum modo a concentração de especialistas no caso de temas muito carentes; (ii)  instituir um mecanismo que faça reflectir para os Departamentos e Escolas de origem algum do prestígio (e por que não, também dos recursos financeiros) da Unidade contemplada.

Relativamente a este último aspecto, ajudaria que a FCT e o OCT publicassem estatísticas não apenas por Unidade de Investigação, mas também por Departamento e Escola (levando em linha de conta a actividade dos seus docentes independentemente das Unidades onde se possam encontrar).

 

Financiamento: ensino versus investigação

Finalmente, gostaria de terminar referindo-me à "sempre delicada questão" de quem financia o quê? É, como alguns dizem, o ensino que financia a investigação? Ou é, como outros alegam, a investigação que financia o ensino?

Infeliz ou felizmente, parece-me que a resposta correcta é afirmativa nos dois casos:

Não me perguntem qual é o saldo quantitativo... Os especialistas na "contagem de feijões" que respondam, se a resposta a tal pergunta tem de facto algum interesse.

Mas estou convencida de que o saldo qualitativo é bem a favor de que a investigação paga o ensino. Que assim possa continuar e que Departamentos e Escolas o compreendam!