A PÓS-GRADUAÇÃO EM PORTUGAL

 

 

José Reis

Secretário de Estado do Ensino Superior

 

 

Consciente de que me cabe, fundamentalmente, sugerir alguns pontos que sirvam para debatermos e para generalizarmos a discussão à sala, proporia quatro pontos, que são os seguintes: o primeiro, é praticamente um ponto de partida, mas que julgo que merece a nossa reflexão. De facto, as actividades de pós-graduação, todos o reconhecemos, são de forma muito emblemática algo que espelha o desenvolvimento do nosso sistema universitário, deste sistema universitário contemporâneo da democracia. Na verdade, todos temos presente o que era uma Universidade sem investigação, uma Universidade sem actividades significativas de pós-graduação e, porventura, também, uma Universidade sem cidadania – tal foi a Universidade onde ingressámos, muitos dos que estamos nesta sala, antes do 25 de Abril. Todo o desenvolvimento posterior foi feito de muitas coisas – foi feito de massificação, foi feito de participação, de democracia, de cidadania –, e é contemporâneo do desenvolvimento das actividades universitárias de pós-graduação e de investigação, como núcleos centrais de um projecto universitário. A formação universitária é sempre uma formação avançada, obviamente. Em matérias que têm a ver com o desenvolvimento significativo e relevante da investigação e com esse tipo específico de formações avançadas que são as formações especializadas de pós-graduação, é evidente que qualquer tentativa para termos uma visão panorâmica dos últimos 25 anos nos mostrará emblemática das actividades de pós-graduação, como espelho desse desenvolvimento.

Não quero aqui alardear erudição com os números que pedi à Direcção Geral do Ensino Superior em matéria de oferta de cursos de mestrado e cursos de especialização de pós-licenciatura de duração minimamente significativa. Em todo o caso, permitam-me que cite dois números, que tenho à minha frente: todos reconheceremos, por certo, como relevante que, por exemplo, em 1990/91, e estou a falar de um ano suficientemente próximo de nós, tivéssemos menos de 4.000 alunos inscritos em mestrados e em cursos de especialização pós-licenciatura, e tenhamos, hoje, um número que andará pelos 10.000. Isto, naturalmente, tem também tradução, no número de diplomados, quer dizer, de diplomados por este tipo de cursos a que me estou a referir, que passou de menos de 300, em 90/91, para quase 3.000, em 98/99. Ou seja, estamos, hoje, perante uma oferta muito diversificada que não irei agora pormenorizar, mas que mostra estarmos perante uma bateria de cursos muito larga.

 

A grande questão que agora se levanta, para além desta comprovação, é a de sabermos de que modo é que estas actividades estão plenamente consolidadas, no sentido de serem elementos centrais dos requisitos de qualificação, de dinamismo e de qualidade das instituições universitárias. É muito o que se impõe discutir nesta matéria, como o lembrou há pouco, com pertinência, o Professor Mariano Gago, impondo-se fazê-lo também do ponto de vista da internacionalização, do ponto de vista dos dois sentidos da internacionalização, a que o Professor Graciano Oliveira aludiu, designadamente, para pensarmos a organização dos diferentes graus do sistema universitário. Mas esse será o meu último ponto.

Para já, além do ponto de partida que vos expus e que, sendo banal, se me afigura também essencial, além deste primeiro ponto, gostava de me referir a dois outros, que são os seguintes: o primeiro, é uma reflexão, na qual, aliás, não me deteria muito, depois do que o Professor Mariano Gago aqui disse há pouco, uma reflexão sobre a ligação entre a capacidade de propormos desenvolvimentos científicos, em matéria de pós-graduação, e o que tenha a ver com o ensino da Matemática; uma reflexão sobre estas relações e sobre o que vem antes no próprio sistema de ensino, portanto sobre as questões que, hoje, me parecem ser questões fundamentalmente centradas, em última análise, no ensino secundário, ou melhor, no ensino secundário e no ensino básico. Toda esta problemática se reflecte nas capacidades integradoras do sistema universitário, no aprofundamento das qualificações e das competências, importando ter em conta todo um conjunto de factores que, a não serem acautelados, poderão contribuir para formas de exclusão social.

É desnecessário – não irei fazê-lo perante oficiais desse mesmo ofício –, é desnecessário sublinhar como as questões da Matemática são centrais neste contexto. Todavia, devo confessar-vos que, por razões pessoais várias, não tenho, nos últimos anos, dedicado grande atenção às questões do ensino básico e do ensino secundário. Hoje, no entanto, por integrar uma equipa onde estas preocupações são muito fortes dou-lhe, evidentemente, uma atenção muito maior.

Com efeito, tal como há pouco referi, parece-me que tudo se joga no ensino secundário, que é a esse nível que se colocam muitos dos problemas que têm a ver com a exclusão nas formações iniciais, que se dá a esse nível uma concentração específica de problemas, como, por exemplo, problemas de insucesso e de reprovações.

Por outro lado, se o ensino secundário deve ser – como diz, e penso que o faz muito acertadamente, o meu Ministro – o grande regulador de todo o sistema de ensino, quer pelas funções que consolida, quer pelo modo como define e estabelece caminhos de progressão para os estudantes, tanto no sentido da Universidade como no da profissionalização, a ser assim, muito do que a esse nível ocorre com o ensino da Matemática deverá ser pensado em conjunto com a referida capacidade de que hoje as Universidades dispõem para produzir actividades de pós-graduação. Esta articulação torna-se particularmente relevante no ensino da Matemática, desde logo pela própria natureza da disciplina, enquanto, digamos assim, fornecedora de capacidade, de pensamento e de raciocínio, bem como pelo seu papel essencial para o debate das questões de índole pedagógica.

Feita esta nota, formulada nos termos de quem, como eu, sabe pouco da matéria, gostaria de abordar o terceiro ponto que mencionei, ainda relacionado com as actividades de pós-graduação e com um conjunto de desafios fortes que hoje confrontam as Universidades. A questão dos graus a conferir por essas formações – designadamente, na área das Matemáticas – reveste-se de uma importância fulcral, dadas as carências que subsistem e sobre as quais não deveremos ter uma visão quantitativista. Parece-me, no entanto, que, em matéria de pós-graduação, as Universidades terão de responder agora a desafios que ultrapassam o modelo que se espelha nos números inicialmente citados. Na verdade, passada esta fase de proliferação e consolidação de mestrados – mestrados extraordinariamente longos e monopolizadores das energias de mestrandos e docentes –, impõe-se reflectir e encarar a pós-graduação de uma forma muito mais abrangente, que passará, obviamente, pelas formas actuais de oferta, mas também por um outro tipo de oferta, eventualmente de duração mais curta, mais flexível e contempladora de necessidades específicas, designadamente as dos professores do ensino secundário, e que configurará, por conseguinte, uma capacidade de resposta tipicamente não formatada pelo modelo de mestrados de que hoje dispomos. Por uma questão de método, estou-me a referir essencialmente a mestrados e a cursos de especialização pós-graduada, sem fazer referência à realidade dos doutoramentos. Neste âmbito a que me refiro, creio que seria interessante – precisamente num fórum de reflexão como este – discutirmos sobre o modo como a oferta de pós-graduação universitária deverá contemplar a capacidade para oferecer possibilidades diversificadas de formação, possibilidades que estimulem a interacção entre diferentes ramos de ensino, bem para além da ideia que preside à actual oferta de formação pós-graduada. É esta uma preocupação que, estou certo, todos partilhamos, pelo que eu teria maior interesse em discutir o modo como essa nova oferta possa ser pensada, quer do ponto de vista de mestrados, quer do ponto de vista de graus, ou mesmo daquilo que não confira graus mas que se revele essencial para ir ao encontro de outras necessidades sociais e possa estimular as capacidades existentes no meio universitário.

O ponto seguinte – o último – será apenas uma reflexão muito geral sobre o que me parece importante que estabeleçamos, sendo certo estarmos numa fase de discussão que tem sobretudo a ver com a definição do próprio problema e não tanto com o achar da solução. No entanto, como todo o problema, por definição, tem solução, é sempre um bom caminho o de pensarmos como deveremos organizar, no nosso sistema de ensino superior, o respectivo sistema de graus. Na sequência da Declaração de Bolonha, como todos sabemos, generalizou-se à escala europeia uma discussão sobre esta matéria. Nós, em Portugal, temos um sistema que é difícil de compatibilizar com as melhores experiências de alguns dos mais dinâmicos e qualificados sistemas universitários europeus. Estas dificuldades têm a ver com os graus que oferecemos: o de bacharelato, o de licenciatura, o de mestrado, o doutoramento, e já nem cuido de saber se a agregação é um grau ou não. Teremos ou não graus a mais em Portugal? Teremos ou não durações e sequências mal estabelecidas em matéria de graus? A mim, devo confessá-lo, quer-me parecer que sim. E isto não só porque temos descurado as questões de organização das próprias ofertas de formação que, aliás, não são, certamente, as mais adequadas, como, por outro lado, me interrogo sobre se teremos capacidade para introduzir no nosso sistema universitário muito do que são as melhores qualidades dos melhores sistemas universitários, numa preocupação de comparação que, no meu entender, não tem nada de estrita convergência ou de estrita adaptação administrativa. Sabemos bem como em boas escolas, que tomamos como referência, deparamos com um sistema de mestrados que é, na sua organização, substancialmente diferente do nosso. Não quero dizer que esse sistema seja pior do que o nosso, provavelmente será melhor ou tão bom como o nosso, mas nem por isso se deixa de levantar esta questão da sequência de graus, de sabermos quantos graus é que poderão estar a mais entre nós, quantas durações poderão estar mal estabelecidas, tudo confluindo para a interrogação sobre o que seja uma boa formação inicial em matéria de ensino superior.

Como estabelecer, pois, a relação entre essa formação inicial e, posteriormente, a especialização de pós-graduação? A interrogação sobre estas questões deverá, a meu ver, convergir para a defesa da ideia de que qualquer formação inicial deverá ser sempre uma formação de grande solidez ou de banda larga, como se diz, às vezes, de forma um tanto simplista. O papel da formação inicial universitária é o de fazer o que não poderá ser feito noutra altura, que não mais se recuperará se não for feito nessa fase, que não poderá mais ser feito nas fases subsequentes. Hoje, muitos dos nossos licenciados são-no ao cabo de cinco anos, são licenciados que, se os compararmos com os de outros sistemas, gastaram mais tempo nessa formação, sem que ficassem melhor formados. Isto porque se enveredou pelos maus caminhos de uma especialização excessiva na formação inicial, a par de uma grande dispersão dessa mesma oferta de formação inicial. O que não deixou, por outro lado, de implicar consequências negativas para o que seja o papel da pós-graduação e da especialização avançada, ao terem estas de assentar numa formação inicial cujas solidez, amplitude e arsenal conceptual disponibilizado não foram devidamente acautelados.

Por todas estas razões, parece-me ser de importância central a relação a estabelecer entre a formação inicial e a pós-graduação. E central, sobretudo, para o papel a atribuir às formações do tipo do mestrado ou de cursos de especialização pós-graduada, para que sejam devidamente articuladas com um objectivo essencial para Portugal: o de prosseguir o aumento do número e da qualidade de doutores, a par da sua inserção no sistema científico e da capacidade acrescida de dar resposta às necessidades de qualificação da sociedade portuguesa.

Eram, pois, estas as notas que, embora de uma forma um tanto desarrumada, vos queria deixar, e que espero discutir convosco daqui a pouco.

Muito obrigado.