Galileu Galilei e a Astronomia

 

Hoje é muito comum, diante de uma afirmação de cunho científico, as pessoas perguntarem se ela foi testada na prática. Esse procedimento que nos parece natural, é um legado de Galileu. Mais importante do que ter armado nossas mentes com um método científico, foi ter literalmente revelado o Universo para a humanidade e mostrado o nosso verdadeiro lugar no cosmos.

Galileu nasceu em Pisa, dia 18 de Fevereiro de 1564, filho de Vincenzo Galilei, comerciante, músico e matemático. A família se mudou para Florença quando Galileu ainda era jovem, e foi em um mosteiro Fiorentino que ele começou seus estudos. Galileu desde cedo demonstrou facilidade para matemática e interesse em mecânica, mas seu pai, inabalável, o encaminhou a campos mais úteis, de forma que Galileu entrou para a Universidade de Pisa em 1581, aos 17 anos, para estudar medicina. Porém, cinco anos mais tarde, persuadiu seu pai a permitir que deixasse a universidade sem ter obtido o diploma, e retornou a Florença para estudar e ensinar matemática.

Tudo o que era conhecido e ensinado sobre ciência e filosofia natural provinha do grande filósofo grego Aristóteles (384 a.C - 322 a.C), cujos livros foram introduzidos na Europa cristã através dos Árabes, e desde então suas teorias começaram a ser aceitas com uma autoridade indiscutível.

Aristóteles propunha que a natureza, a sociedade e os indivíduos deveriam ser estudados sob um olhar bastante minucioso, racional e lógico, classificando-os de uma forma didática. Em Astronomia, Aristóteles descreve um Universo esférico e finito, tendo a Terra como centro, composta por quatro elementos definidos pela Alquimia: terra, ar, fogo e água, cada um dos quais com seu lugar adequado, determinado por sua “gravidade específica”, e que se movem em linha reta para o lugar que lhes corresponde, o centro do Universo (centro da Terra). Os céus, porém, movem-se de forma natural, infinita e imutável, seguindo um complexo movimento circular, pois têm em sua composição um quinto elemento: o éter.

Com esta linha de raciocínio, ele acreditou que os quatro elementos teriam cada qual o seu próprio lugar, ou seja, que tendem a aparecer na natureza sempre em uma ordem definida. A terra estaria no centro, a água acima deste, o ar acima da água e o fogo o mais elevado de todos os elementos, estaria acima de todos os demais. Um elemento densamente formado por terra, como uma rocha, cai espaço abaixo, enquanto que as bolhas de ar na água movem-se líquido acima. Ainda uma vez, a chuva cai, mas o fogo se eleva. Para Aristóteles parecia que o mais pesado dos objetos fosse aquele que teria a maior tendência de adquirir mais rapidamente o seu próprio lugar de origem, então ele acreditava que o corpo mais pesado cairia mais rapidamente que o mais leve.

Cinco séculos depois da morte de Aristóteles, um egípcio chamado Claudius Ptolomeu (87- 150 d.C.) criou um modelo de universo que previa mais precisamente os movimentos e ações das esferas celestes. Assim como Aristóteles, Ptolomeu acreditava que a Terra estava em repouso. Objetos caíam para o centro da Terra, racionava, porque a Terra deve estar fixa no centro do universo. Esse sistema, denominado de Sistema Geocêntrico, descrevia um universo finito (cujo limite era uma esfera de estrelas, sempre imutável) com todos os corpos celestes conhecidos da época (Lua, Sol, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) descrevendo órbitas circulares e perfeitas centradas na Terra. A Cristandade Ocidental não se incomodava com o sistema geocêntrico de Ptolomeu, que deixava espaço no universo atrás das estrelas fixas para o paraíso e inferno, e, assim, a Igreja adotou o sistema ptolomaico do universo como verdadeiro.

A visão do cosmos de Aristóteles e Ptolomeu reinou, com poucas modificações, por mais de mil anos. Somente em 1543 que o padre polonês Nicolau Copérnico propôs o Modelo Heliocêntrico do Universo. Copérnico o propôs meramente como um modelo para calcular as posições planetárias, porque temia que a Igreja pudesse considerá-lo herético se ele o propusesse como uma descrição da realidade. Copérnico se convenceu, a partir de seus próprios estudos dos movimentos planetários, de que a Terra era apenas outro planeta e que o Sol era o centro do universo. A ruptura de Copérnico marcou uma das maiores mudanças de paradigma na história do mundo, abrindo caminho para a astronomia moderna e afetando profundamente a ciência, a filosofia e a religião. E o primeiro grande passo para a aceitação dessa nova visão foi dado por Galileu em 1609.

Antes da astronomia, Galileu se envolveu com geometria, óptica, aritmética, mecânica e engenharia militar. Em 1589 tornou-se professor de matemática na Universidade de Pisa, e foi lá que Galileu adquiriu um conhecimento mais profundo de astronomia e começou a romper com Aristóteles e Ptolomeu. Há relatos segundo os quais Galileu demonstrou que corpos de massas diferentes caem com a mesma velocidade quando liberados da mesma altura atirando-os do alto da torre de Pisa. Foi em Pisa que Galileu escreveu Sobre o movimento (De Motu), livro que contrariava as teorias aristotélicas de movimento e que o estabelece como um líder da reforma científica.

Durante os primeiros anos do século XVII, Galileu realizou experiências com pêndulos e explorou a associação com o fenômeno da aceleração natural. Ele também começou a elaborar um modelo para a descrição do movimento de corpos em queda livre.

E foi em 1604 que um fenômeno nos céus chamou a atenção de todos. O brilho de uma supernova foi observado por toda a Europa, e reacendeu questões sobre o modelo aristotélico dos céus imutáveis. Galileu precipitou-se ao centro do debate através de palestras ousadas, mas hesitava em publicar as suas teorias. Em outubro de 1608 um holandês chamado Hanz Lipperhey requisitou a patente de uma luneta capaz de fazer com que objetos distantes aparentassem estar mais próximos. Ao ser informado da invenção, Galileu se dedicou a tentar aperfeiçoa-la. Em pouco tempo projetou um telescópio (de nove aumentos) três vezes mais poderoso que o aparelho de Lipperhey, e dentro de alguns meses, um telescópio de trinta aumentos. Quando Galileu voltou seu telescópio aos céus em novembro de 1609 o cosmos literalmente se abriu para a humanidade.

O primeiro astro que chamou a atenção de Galileu foi a Lua. Ele realizou diversas observações da lua, dos quais fez alguns desenhos e gravuras impressionantes. Em discordância com as idéias aristotélicas, que diziam que os corpos celestes eram esferas perfeitas e lisas, a superfície da lua, quando vista pelo telescópio, revelava cavidades e elevações. Galileu notou a presença de certas zonas iluminadas na parte escura do disco lunar, nas proximidades da linha que separa a região iluminada da região escura. Galileu corretamente atribuiu a esse fenômeno a presença de montanhas na Lua, cujos picos elevados ainda são iluminados pelo sol, enquanto o terreno abaixo deles não é mais, assim como ocorre na Terra.

Ao apontar seu telescópio para a via-láctea Galileu descobriu uma quantidade incontável de estrelas, muitas das quais impossíveis de serem observadas a olho nu. Ele estudou e registrou duas regiões bastante conhecidas do céu: o cinturão de orion e o aglomerado das plêiades, ambos registrados com um número muito maior de estrelas. Em orion ele registrou 80 estrelas que não eram visíveis a olho nu, e, ao redor das plêiades, mais outras 30. Por séculos filósofos debateram fervorosamente sobre a verdadeira natureza da via-láctea. Galileu revelou sua verdadeira essência através da força da experiência.

Galileu estudou os planetas Saturno, Marte, Júpiter e Vênus. Ao observar Saturno notou duas figuras bastante próximas ao planeta. Seu telescópio não tinha resolução suficiente para que ele observasse os anéis de Saturno. E ao observar Vênus percebeu algo notável. O planeta Vênus, exatamente como a lua, apresentava fases. Esta descoberta implicava em sérias questões cosmológicas. No sistema de Ptolomeu cada planeta se move em círculos, os epiciclos, cujo centro se move em um circulo maior, chamado de deferente, ao redor da terra imóvel no centro do universo. Para explicar o fato de que Mercúrio e Vênus nunca se movem além de uma dada distância do Sol, o modelo de Ptolomeu propunha que o centro de seus epiciclos possuíam período de um ano, e estava sempre alinhado com o Sol. Logo, suas órbitas estariam sempre antes do Sol, e suas fases sempre deveriam chegar, no máximo, à figura de uma foice bem fina (como na Lua crescente ou minguante).

Porém, no sistema de Copérnico, o Sol se mantém imóvel no centro do universo, enquanto todos os planetas, inclusive a Terra, se movem ao redor dele. As órbitas de Mercúrio e Vênus estão, portanto mais próximas ao Sol. Por essa razão, os planetas deveriam mostrar todas as configurações de fases, e era o que exatamente Galileu estava observando. Esta descoberta reforçou as convicções de Galileu de que o Sistema de Copérnico estava correto.

Em Janeiro de 1610, enquanto explorava os céus com seu telescópio, Galileu descobriu algo interessantíssimo. Percebeu a existência de quatro objetos parecidos com estrelas próximas ao planeta Júpiter. Segundo sua descrição os quatro objetos aparentavam ter o mesmo brilho e futuras observações mostravam que a posição desses objetos não era sempre a mesma. Logo Galileu concluiu que essas estrelas estavam girando ao redor do planeta, e passou a calcular suas órbitas e posições precisamente. Hoje, sabemos que se tratam das quatro maiores luas de Júpiter, e são conhecidas como luas galileanas. Suas descobertas mostraram que a Terra não era tão especial como se pensava, ela apenas é mais um planeta ao redor do Sol.

Em Março de 1610, Galileu publica em Veneza o livro Siderius Nuncius (Mensageiro das Estrelas). Neste livro Galileu anuncia ao mundo suas extraordinárias descobertas astronômicas, as primeiras realizadas a partir de um telescópio. O livro foi um sucesso e colocou Galileu como um líder da vanguarda astronômica de sua época. A Igreja afirmou as descobertas de Galileu, elogiou seu trabalho, mas discordou das interpretações.

Estudando os céus freneticamente, Galileu publica em 1613 Cartas sobre Manchas Solares. Quando observada através do telescópio a superfície do Sol apresenta manchas escuras. Hoje sabemos que essas manchas são causadas pelo intenso e não homogêneo campo magnético solar, que ao atravessar tais regiões, espalha o plasma da superfície do Sol gerando regiões que recebem menos energia (menor temperatura), parecendo escuras. Thomas Harriot foi o primeiro a observar tal fenômeno. Para manter a teoria aristotélica dos céus imutáveis, observadores da época explicavam as manchas como sendo pequenos planetóides que orbitavam o sol e estariam atravessando o disco solar naquele instante. No entanto, em seu trabalho Galileu especula que tais manchas se encontram na superfície do Sol, e cujo movimento é intrinsecamente ligado à rotação do astro durante aproximadamente um mês. E para provar sua hipótese ele realizou inúmeras observações.

Descobriu que as manchas não apresentavam periodicidade, aparecendo e se dissolvendo continuamente, mesmo próximas ao centro do disco solar, assumindo formas irregulares dia após dia. E mais, se planetas estivessem orbitando a grandes distâncias do Sol, a velocidade que teriam, ao passar pelo disco solar, deveria ser constante. No entanto, Galileu percebeu que ao aproximarem da borda solar, tais manchas desaceleravam, implicando que estavam contidas na superfície do Sol.

Neste trabalho de 1613 Galileu, pela primeira vez, se pronuncia a favor da teoria heliocêntrica de Copérnico. Ele afirmou categoricamente que tais observações eram melhor explicadas se considerassem a teoria de Copérnico como sendo a mais correta para descrever o movimento dos corpos celestes, e não a de Ptolomeu.

Em 1623 a Inquisição pronuncia-se sobre a teoria heliocêntrica (até então tratada como apenas uma teoria, não como uma descrição de Universo) declarando que a afirmação de que o Sol é o centro imóvel do Universo era herética e que a de que a Terra se move estava "teologicamente" errada, contudo nada fora pronunciado a nível científico. O livro de Copérnico De revolutionibus orbium coelestium, entre outros sobre o mesmo tema, foi incluído no Índex librorum prohibitorum (Índice dos livros proibidos pela igreja).

Apesar de que nenhum dos livros de Galileu foi nesta altura incluído no Index, ele foi, no entanto, convocado a Roma para expor os seus novos argumentos. Teve assim a oportunidade de defender as suas ideias perante o Tribunal do Santo Ofício dirigido por Roberto Bellarmino, que decidiu não haver provas suficientes para concluir que a Terra se movia e que por isso advertiu Galileu a abandonar a defesa da teoria heliocêntrica exceto como ferramenta matemática conveniente para descrever o movimento dos corpos celestes. Tendo Galileu persistido em ir mais longe nas suas ideias foi então proibido de divulgá-las ou ensiná-las.

Em fevereiro de 1932, encorajado pelo Papa Urbano VIII (amigo íntimo), Galileu publica o livro Diálogo. O Livro, escrito em italiano (tática de Galileu para uma divulgação mais ampla, pois era a língua das massas, e não do alto Clero) foi publicado em Florença, e foi escrito em forma de um diálogo entre três personagens, Salviati (que defende o heliocentrismo), Simplício (que defende o geocentrismo e é um pouco tonto) e Sagredo (um personagem neutro, mas que termina por concordar com Salviati).

Embora Galileu use de subterfúgios no capítulo final de seu livro, como era de se esperar, o peso dos argumentos apresentados por ele torna a conclusão científica indiscutível: Copérnico estava certo. O papa Urbano ficou furioso após ser convencido por seus auxiliares de que Galileu não somente advogava a teoria de Copernico contra a de Ptolomeu, mas também o tinha enganado ao não informá-lo da existência de uma proibição supostamente enviada a ele pelo Comissariado Geral em 1616. Além disso, parece que o papa pode ter sido persuadido por adversários de Galileu de que um dos personagens do livro, Simplício, o mais tolo dos três, havia sido modelado na personalidade do próprio Papa. Se fosse na época de hoje, onde vemos o domínio da estupidez em vários governantes, o Papa não levaria isso a sério, mas naquela época ele certamente ficou zangado!

Com o livro amplamente aclamado como uma obra prima, e a autoridade de Roma enfraquecida, o Papa Urbano VIII reagiu com truculência. Quase imediatamente o livro foi condenado e, em outubro, foi dada a ordem de parar a sua venda e recolher todas as cópias. O Papa ordenou que a Inquisição investigasse Galileu como herege. Em 1633 Galileu foi formalmente interrogado em Roma durante 18 dias e no dia 30 de abril confessou que sua defesa das teses Copernicanas no livro "Dialogo" tinham sido fortes demais e se ofereceu para refutá-las no seu próximo livro. Mesmo assim, o Papa decidiu que ele deveria ser julgado. Ao lhe serem mostrados os instrumentos de tortura Galileu se retratou. Em uma cerimônia formal da igreja de Santa Maria Sofia Minerva Galileu se arrependeu de seus erros. A Inquisição o condenou, em 1633, à prisão perpétua por ter mantido a heresia Copernicana. Isto tomou a forma de prisão domiciliar em sua casa em Sienna, próxima a Florença onde ele passou os anos restantes de sua vida.

Em 1638 Galileu ficou totalmente cego e o resto de sua vida foi gasto com estudantes, incluindo Vincenzio Viviani e Evangelista Torricelli, e seu filho Vincenzio além de uma ampla correspondência científica. A Inquisição impediu Galileu de publicar, mas ele continuava a escrever. Seus assistentes salvaram dos censores seu último trabalho, o Discorsi, a culminação das pesquisas de uma vida sobre as leis da mecânica. Publicado em Leiden em 1638 ele se tornou a pedra fundamental sobre a qual as ciências da física, astronomia e cosmologia iriam se erguer. Galileu morreu em Arcetri, próximo a Florença, no dia 9 de janeiro de 1642, e está enterrado na Igreja de Santa Croce, em Roma, próximo à tumba de Michelangelo.

As descobertas de Galileu mudaram a visão tradicional do cosmos e iniciaram um processo revolucionário de unificação nos quais os corpos celestes eram sujeitos às mesmas leis físicas que governam os corpos terrestre (descobertas de Newton). Tudo isso não mostra apenas a habilidade de Galileu de criar instrumentos e matemática sofisticada, mas mostra também a sua habilidade de enxergar o novo e ter pensamentos iluminados em uma época de trevas.