SUMÁRIO





O conceito de torção teve a sua origem na teoria dos grupos abelianos. Trata-se de uma noção muito simples: um grupo é de torção se todos os seus elementos tiverem ordem finita. Este conceito generaliza-se imediatamente a módulos sobre domínios de integridade. Na teoria dos anéis e módulos de quocientes, a cada anel de quocientes de um anel A surge associada uma noção de torção para módulos sobre o anel A ([Stenström, Rings and modules of quotients , LNM 237, Springer, 1971], II.3).

Vários autores, seguindo caminhos diversos, estenderam a definição de torção a módulos sobre anéis mais gerais que os domínios de integridade. Por exemplo, Dlab em [The concept of a torsion module , Amer. Math. Monthly 75 (1968) 973-976] e Levy em [Torsion-free and divisible modules over non-integral domains , Canad. J. Math. 15 (1963) 132-151]. No entanto, são definições muito ligadas aos módulos em questão e sem aparente conexão.

Em 1966, Dickson [A torsion theory for abelian categories , Trans. Amer. Math. Soc. 121 (1966) 223-235] utilizando a linguagem e as técnicas da Teoria de Categorias mostra que é possível axiomatizar o conceito de teoria de torção em categorias abelianas e assim generalizar e unificar as diversas teorias de torção até então estudadas. Como Herrlich e Strecker referem em [Category Theory , Allyn and Bacon, Boston, 1973], citando Bass, " Virtually all algebraic notions in Category Theory are parodies of their parents in the most classical of categories... the category of left A-modules."

Um dos objectivos fundamentais da Teoria das Categorias é o da generalização, a domínios mais vastos, dos conceitos e ideias base de diversas áreas da Matemática. Foi Barr, em 1973, que com esse intuito definiu teoria de torção em categorias não-abelianas [Non-abelian torsion theories , Canad. J. Math. 25 (1973) 1224-1237], apresentando aí uma variedade interessante de exemplos abrangidos por essas teorias. Também Cassidy, Hébert e Kelly, em 1985, seguindo um caminho distinto do de Barr, apresentaram em [Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] uma outra generalização, que surge como consequência de uma análise da relação entre as subcategorias reflectivas de uma categoria e os sistemas de factorização nessa categoria. Esta abordagem constitui a base do nosso trabalho, onde fazemos uma síntese dos resultados sobre teorias de torção.

No primeiro capítulo, que é baseado essencialmente em [Dickson, A torsion theory for abelian categories , Trans. Amer. Math. Soc. 121 (1966) 223-235] e [Dickson, On torsion classes of abelian groups , J. Math. Soc. Japan 17 (1965) 30-35], abordamos as teorias de torção em categorias abelianas. A Secção 1 constitui uma síntese da generalização realizada por Dickson e nela estabelecemos uma primeira analogia entre a teoria das subcategorias de torção/subcategorias sem torção, neste contexto, e a teoria das conexões/desconexões na categoria dos espaços topológicos [Arhangel'skii e Wiegandt, Connectednesses and disconnectednesses in Topology , Gen. Top. Appl. 5 (1975) 9-33]. As teorias de torção hereditárias são importantes, na medida em que os conceitos de, por exemplo, "filtros idempotentes de ideais" em [Bourbaki, Éléments de Mathématique , fasc. 27, Chap.1, 2 (1961)] e [Gabriel, Des catégories abéliennes , Bull. Soc. Mat. France 90 (1962) 323-448], a que actualmente se dá o nome de topologias de Gabriel, de "radicais de torção" exactos à esquerda em [Maranda, Injective Structures , Trans. Amer. Math. Soc. 110 (1964)], de "functores núcleo idempotentes" em [Goldman, Rings and modules of quocients , J. Algebra, 13 (1969)] e de "reflectores exactos à esquerda" em [Gabriel, Des catégories abéliennes , Bull. Soc. Mat. France 90 (1962) 323-448] lhe são equivalentes. Por isso, as estudamos na Secção 2, onde apresentamos detalhadamente uma caracterização (Teorema 2.3), extraída de [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] e [Stenstr&oulm;m, Rings and modules of quotients , LNM 237, Springer, 1975]. Finalmente na Secção 3, baseando-nos essencialmente em [Dickson, On torsion classes of abelian groups , J. Math. Soc. Japan 17 (1965) 30-35], apresentamos com algum pormenor a classificação na categoria dos grupos abelianos de todas as subcategorias de torção contidas na subcategoria dos grupos de torção usuais, e de todas as subcategorias de torção hereditárias.

No segundo capítulo, que é sobretudo baseado em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329], começamos por abordar sumariamente, na Secção 1, as noções de pré-factorização e factorização e demonstramos pormenorizadamente resultados que conduzem ao estabelecimento de uma correspondência bijectiva entre subcategorias reflectivas de uma categoria A e sistemas de pré-factorização em A. Todos estes resultados podem ser encontrados em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329], constituindo 1.8 uma generalização de (2.4) em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329]. Aquela bijecção desenvolve uma ideia referida por Bousfield em ([Constructions of factorization systems in categories , J. Pure Appl. Algebra 9 (1977) 207-220], 2.5). Seguidamente, estudamos a relação entre as ideias desenvolvidas na secção anterior e as categorias de fracções, sugerida pela Observação 2.5 de [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329]. Sob condições muito gerais em A, nomeadamente que A seja finitamente bem completa, os autores de [Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] provam que a bijecção referida na Secção 1 é uma bijecção entre subcategorias reflectivas e sistemas de factorização. A isto nos referimos em 3.2, 3.3 e 3.4. Em 3.5 apresentamos uma demonstração simples de um resultado de Day [On adjoint-functor factorizations , LNM 420, Springer, 1974], mostrada por Cassidy, Hébert e Kelly em [Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329]. A Secção 4 conjuntamente com a primeira constituem o corpo principal da abordagem que Cassidy, Hébert e Kelly realizaram para chegar à noção de teoria de torção em categorias com objectos inicial e terminal. Nela fazemos uma análise pormenorizada de diversos sistemas de factorização reflectivos e co-reflectivos associados a um sistema de factorização, apresentando vários exemplos. Chegados a este ponto, estamos em condições de fazer o estudo das teorias de torção em quaisquer categorias com objectos inicial e terminal. É o que fazemos na Secção 5. A Definição 5.2, que vale em qualquer categoria, foi-nos sugerida pela leitura de [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] e pretende realçar as diferenças e as semelhanças com a caracterização da torção em categorias abelianas. Trata-se de uma generalização da definição de Cassidy, Hébert e Kelly. Com efeito, em 5.4 provamos a equivalência entre esta e 5.2 no caso da categoria A possuir objectos inicial e terminal. Os restantes resultados, com excepção de 5.7 e do exemplo (c), onde fazemos, respectivamente, o estudo das teorias de torção na categoria dos grafos e nas categorias pré-ordenadas definidas por reticulados completos, estão contidos em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329]. Na Secção 6 fazemos um breve estudo das teorias de torção em categorias sem objecto zero, apresentando condições suficientes para que uma categoria só possua as teorias de torção triviais. Como consequência, concluímos que o conceito de torção se trivializa nas categorias topológicas, o que nos permite justificar a importância da teoria análoga das conexões/desconexões nestas categorias. O estudo que fazemos na Secção 7 das teorias de torção em categorias com objecto zero baseia-se essencialmente em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329], excepto o resultado 7.10 (ii) inspirado no resultado análogo para categorias abelianas. Reunimos em 8.5, 8.6, 8.7, 8.8 e 8.10 resultados de uma abordagem realizada por Tholen [Factorizations, fibres and connectedness , Proc. Int. Conf. Categorical Topology (Toledo, 1983), Heldermann, 549-566] no estudo das conexões em relação com factorizações de fontes e aplicamo-los no caso particular em que estamos interessados, isto é, nas teorias de torção em categorias com objecto zero. Com eles obtemos, ainda inspirados em [Tholen, Factorizations, fibres and connectedness , Proc. Int. Conf. Categorical Topology (Toledo, 1983), Heldermann, 549-566], o Teorema 8.11 e seus corolários 8.12 e 8.13, que nos dão uma caracterização das teorias de torção em termos de E-conexões e E-reflexões. Por fim, relacionamos as duas definições de torção dadas por Cassidy, Hébert e Kelly e por Barr, resumindo essa relação na Proposição 8.14.

Finalmente, no terceiro capítulo relacionamos as teorias de torção com as localizações, pela importância que estas têm para certas classes de categorias. Na primeira secção começamos por apresentar alguns tipos de reflectores definidos em [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] e as respectivas caracterizações, com realce para os reflectores com unidades estáveis (1.6) cuja caracterização se baseia em resultados de [Korostenski e Tholen, Prelocalizations , preprint] e na observação de que a condição 1.9 (iv) desse artigo coincide com a definição de reflector com unidades estáveis. O Exemplo 1.8 constitui uma demonstração detalhada do Teorema 1 de [Cagliari e Mantovani, Localizations in universal topological categories , Proc. Amer. Math. Soc. 103 (1988) 639-640]. A Secção 2 contém um estudo da relação entre subcategorias localizantes e teorias de torção hereditárias. Tem como objectivo principal apresentar um resultado de [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329] onde se mostra que em categorias abelianas com injectivos suficientes existe uma correspondência bijectiva entre subcategorias localizantes e teorias de torção hereditárias. Inclui também exemplos de categorias não-abelianas onde esta correspondêcia deixa de ser bijectiva. A terceira e última secção é dominada pela ideia do estabelecimento de uma ligação com os resultados clássicos de localizações, sugerida na introdução de [Cassidy, Hébert e Kelly, Reflective subcategories, localizations and factorization systems , J. Austral. Math. Soc. 38 (1985) 287-329]. Para realizar essa ligação recorremos às proposições 3.2 e 3.4 de [Borceux e Kelly, On locales of localizations , J. Pure Appl. Algebra 46 (1987) 1-34], que são resultados que permitem descrever as subcategorias localizantes de uma categoria em termos de uma topologia adequada a cada caso. Fazemos ainda uma breve referência ao caso dos topos.