Alentejo Sagrado

rastos de um tempo pagão
Fotografias de José M. Rodrigues

Museu Monográfico de Conímbriga
Horário: 10.00-18.00 Encerra à Segunda-feira
Entrada livre

photo

O tema deste conjunto de imagens foi tecido, antes de mais, na trama de um espaço físico e cultural bem definido, um micro-cosmos a que, redutoramente, chamamos Alentejo.

Procuramos, selectivamente, desvendar-lhe uma modalidade singular: os lugares centrais do espírito, as paragens em que os homens, em vários tempos, quiseram elevar o mundo real à categoria do divino.

O resultado remete, assim, para a confluência de três perspectivas distintas, porventura alheias no tempo e no modo.

A matéria-prima original resultou da cristalização dos anseios e crenças dos construtores/criadores dos antigos lugares sagrados. Trata-se, sem dúvida, de paisagens determinadas por arquétipos esquecidos, seleccionadas a partir de um conhecimento minucioso do espaço, em articulação, nem sempre muito clara para nós, com a vida quotidiana de quem as elegeu. São lugares de teofanias e mitos. Encerram e expõem aos nossos olhos profanos, divindades crepusculares e distantes.

Em seguida, o filtro racional do arqueólogo, sublinhado ou omitido, criou uma realidade diferente, actualizada e, até certo ponto, subjectiva. Reconhece-se, neste aspecto, como uma escolha datada, comprometida, apenas uma proposta entre outras possível.

Finalmente, o fotógrafo interveio, à sua maneira, acrescentando aos temas a dimensão do artista, transfigurando realidades fragmentárias numa leitura coerente, pessoal e transmissível.

O resultado final corresponde a uma travessia na espessura do tempo e da forma de olhar. Errâncias, deslumbramentos e interrogações, numa verdadeira geografia paralela.

Este Alentejo Sagrado, que narcisistamente amamos, começa e acaba naqueles lugares perdidos, em que a memória permanece quase sempre suspensa, discretamente expectante, no entanto, por vezes, os mistérios do tempo pagão confundem-se com referências mais familiares, entrosados no mundo caiado e austero dos homens de hoje, impondo-se-lhes anacrónicos e silenciosamente inquietantes.

Este Alentejo existe mimético por detrás da cortina mental do mapa das estradas. Respira em surdina, camuflado de azinheiras, sobreiros ou oliveiras retorcidas, os cheiros da esteva, da murta, do oregão, do rosmaninho e do poejo.

Ergue-se, por vezes, em rochedos ciclópicos ou afunda-se em gargantas sombrias.

Vibra interior, na luz fundamentalista do Sul, embalado pelos resíduos dos ventos atlânticos.

Este Alentejo, construído com pedra e na pedra, Maciço Antigo, é também um lugar de passagem, uma encruzilhada de ideias e rios, terra de deuses dormentes.

Agita-se e acomoda-se.Renasce e remorre.

Este Alentejo antigo descansa. Sossega. Dorme a sesta.

Manuel Calado

Produção: Encontros de Fotografia


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