Um sentido de Solo Comum

Fotografias de Fazal Sheikh

Galeria Bar de Santa Clara, Rua António Augusto Gonçalves, 67
Horário: 14.00-02.00
Entrada Livre

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"A minha primeira viagem ao campo de refugiados sudaneses na fronteira norte do Quénia com o Sudão, em Junho de 1992, foi num voo da United Nations High Commission for Refugees (UNHCR) que partiu de Nairobi. Embora já fosse há quatro anos, a viagem ainda está muito viva na minha memória e determinou a forma como, desde então, documentei as comunidades de refugiados em A´frica.

Éramos dez no avião: colaboradores, dois jornalistas e um operador de câmara. Antes de embarcar, recebemos informação sobre o que íamos ver. No ambiente freco e confortável de Nairobi era difícil imaginar o terreno duro e remoto do deserto do norte. O responsável das Nações Unidas falou dos cerca de 25.000 refugiados do campo, num tom reservado. Hesitou sobretudo em relação aos "factos" respeitantes aos "Menores desacompanhados".

Estes "Menores desacompanhados" constituíam um grupo de cerca de 12.000 rapazes, entre os oito e os dezoito anos, que tinham sido levados do sul do Sudão para a vizinha Etiópia, para serem "ensinados". Acontece que os rapazes tinham sido raptados por membros do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA) e levados para a Etiópia onde recebiam treino militar e eram depois mandados para a guerra contra o governo sudanês, de maioria islâmica. Com a queda do governo etíope em 1991, , os sudaneses foram obrigados a regressar ao sul do Sudão, a pé. Quando as forças governamentais sudanesas venceram o SPLA na batalha pela cidade de Kapoeta, no sul do país, os rapazes fugiram, mais uma vez a pé, para o norte do Quénia. O porta-voz das Nações Unidas insinuou que havia manipulação dos "alunos" pelos "professores". Deixas como "manipulação", "orfão", "Menor Desacompanhado", "treino" e "sofrimento" bailavam-me no espírito quando embarquei para norte.

Logo que aterrámos na península arenosa de Lokichoggio, os jornalistas começaram a trabalhar. As histórias deles tinham que ficar prontas em poucas horas, quando, à tarde, regressassem a Nairobi. À medida que os via trabalhar, durante o dia, notei que eram atraídos para as zonas que o porta-voz tinha sugerido poderem fornecer a melhor cobertura. Eu tinha conseguido ficar no campo vários dias e não tinha pressa de começar a trabalhar.

Alguns dias depois de chegar, sentado no campo, pensava no primeiro dia e nas minhas impressões iniciais àcerca do campo, dos seus residentes, do meu papel ali. Compreendi que as minhas primeiras ideias àcerca dos rapazes e da sua condição tinham sido muito influenciadas pelas informações da UNHCR. Lembrei-me de ver os jornalistas a trabalhar e de experimentar um sentimento de mal-estar, uma incapacidade de fazer o mesmo e tirar as fotografias previsíveis. Agora, andava pela aldeia e pelo campo, tentando compreender o furacão em que estava envolvido.

Tinha já vindo a esta região de A´frica várias vezes para visitar a minha família em Nairobi. Nessas alturas, maravilhava-me com a quietude desolada do deserto e a forma como isso evocava uma curiosa sensação de calma e conforto moral, misturado com uma ponta de agouro. Lembrei-me desses tempos e revisitei algumas lojas onde tinha ido há anos, tentando reencontrar uma ligação com o lugar que dantes tinha conhecido.

À medida que os dias passavam, e ia integrando as minhas experiências anteriores deste lugar com as de agora, os preconceitos que me tinham impingido nas instruções iniciais e o choque do primeiro encontro começaram a desvanecer-se, deixando que se instalasse um sentimento mais profundo em relação aos refugiados e à sua situação. Foi então que comecei a pedir ao conselho dos anciãos e aos refugiados que colaborassem comigo na realização das imagens.
Fazal Sheikh

Cortesia: Pace MacGill gallery


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