Trabalhadores de Lisboa

Fotografias de Joshua Benoliel

Hotel Quinta das Lágrimas, Santa-Clara
Horário: 14.00-17.30
Sábado/Domingo: 10.00-12.30, 14.00-17.30
Entrada livre

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JOSHUA BENOLIEL, REPÓRTER FOTOGRFICO

Joshua Benoliel deve ser considerado o primeiro foto-repórter português. O seu empenhamento, a sua noção de oportunidade e a sua imparcialidade permitiram-lhe definir o conceito de foto-reportagem: uma íntima e constante ligação entre o texto e a imagem. Criou documentos, que não eram necessariamente descritivos mas antes intimistas, "como se os próprios factos adquirissem uma dimensão irreal". Sente-se o amor que este homem tinha pela sua cidade e pelas suas gentes, a facilidade com que deambulava pelas ruas mais esconsas, testemunhando a precaridade das situações sociais, numa atitude próxima dos americanos Riis e Hine. É uma postura mais íntima, mais "fado", mais humana. Do mesmo modo circulava entre os grandes e as mundanidades, potenciando nessas imagens aquilo que se queria ver, a sua proximidade ou a sua distanciação do mundo real.

O processo da fotogravura expande-se, nos inícios do século XX, em Portugal, com particular incididência nas revistas ilustradas de frequência semanal, quinzenal ou mensal. A função do fotógrafo torna-se mais evidente e imprescindivel.Rapidamente as imagens evidenciam-se quer pela força, quer por um cariz mais social mais empenhado. Nasce o foto-repórter, ou repórter gráfico, que acompanha o lento redimensionamento da imprensa portuguesa face às premissas da imediatidade da notícia e da sua transmutação em imagem visível, bem como à resposta que o público entusiasmado lhe dá. Nascem igualmente as primeiras agências noticiosas, de início nos Estados Unidos da América, fornecendo as notícias e as imagens que a imprensa exigia cada vez mais.

Portugal não difere deste quadro. O número de revistas e jornais que integram fotografias, aumenta, nos primeiros vinte anos deste século, enormemente. Não há evidência de agências noticiosas, tendo em conta a nossa pequenez geográfica e mediática.

Em Junho de 1898, publica o jornal O Tiro Civil as fotografias da Regata do Centenário, do amador Benoliel. O Brasil-Portugal constitui a primeira revista que introduz o processo da fotogravura em Portugal, possuindo para tal oficinas próprias. Este processo estender-se-á a outras revistas: Mala da Europa, O Ocidental, Os Serões, llustração Portuguesa, Revista de Sport. Os jornais diários seguem idêntico processo, destacando-se o pioneirismo d' O Século e do Diário de Notícias. Constituía critério primacial da introdução da fotogravura a actualidade e o impacto das imagens que a imprensa diária requeria, equacionando-se a valia processual e a sua rentabilização financeira. O exemplo d' O Século enquadra-se num mercado ávido de imagens: enquanto o Jornal diário apresentava um número reduzido de fotografias, o semanário Ilustração Portugue

O fotógrafo de estúdio e o fotógrafo amador constituirão os primeiros fornecedores de clichés, de temática regional ou local, reflectindo um quotidiano quase caseiro. O internacionalismo noticioso que a imprensa advogava encontrava um obstáculo na difusão de fotografias de eventos que transcendiam o país. A morosidade do envio e a menor qualidade dessas fotografias, apesar da invenção da belinografia e das constantes inovações tecnológicas, não era bem aceite pelo público. A revista ilustrada, de periodicidade mais espaçada, estabelecia a ponte entre as notícias do jornal diário e o novo tratamento jornalístico que as ilustrações requeriam.

A quantidade do eventos nacionais e internacionais aumenta no início do século, obrigando a especialização da imprensa, e que a fotografia acompanhará. Nasce uma nova actividade, cujo enquadramento legal se ressentirá da sua própria indefinição enquanto profissão. O foto-repórter, ou repórter gráfico, como era denominado em Portugal, não possuía um estatuto definido. Assumindo a tarefa de fornecer a imprensa nacional de imagens da actualidade política, social e desportiva, encontram-se os fotógrafos comerciais, casos de Horácio Novais, Arnaldo da Fonseca, Camacho, Bobone, Biel. As suas imagens traduziam o trabalho de estúdio: imobilismo, composição cuidada, mas descaracterizando a imagem de rua, o instantâneo o descritivo. Com o aparecimento da Ilustração Portuguesa, na sua segunda versão, iniciada em 1906 e liderada por Silva Graça, o foto-Jornalismo português autonomiza-se enquanto profissão de pleno direito. A maquetização da revista foge ao modelo inicial, a lllustration Française, mostrando um novo agenciamento estilístico, onde impera a moldura arte nova, contemporaneizando assim a apresentação gráfica. Recorre-se a colaboradores conceituados para os diversos artigos de fundo e a fotografia adquire um maior peso. Sem minimizar as excelentes lllustrierten Zeitungen alemãs dos anos vinte e trinta, a llustração Portuguesa prefigura-as numa escala nacional, Benoliel é implicado na definição das respectivas notícias. A sua produção é multifacetada, abordando temas tão diversos como política, faits divers, desporto, cenas do quotidiano ou o mundo do trabal

Outros se Ihe seguiram: Alberto Lima, José Bárcia, A. Cunha, Serra Ribeiro, J. Garcês. O número de foto-repórteres mostra-se insuficiente para o número crescente de publicações. A indefinição deontológica da profissão permite que um repórter possa colaborar, simultânea e rentavelmente, com várias publicações. Benoliel exemplifica bem esta situação: apesar de designado, frequentemente, de enviado especial da Ilustração Portuguesa, tal não o impedia de colaborar com O Occidente, o Brasil-Portugal ou a Mala da Europa, revistas de periodicidade mais alargada. Estas situações eram frequentes, rentabilizando o investimento das publicações, que publicariam a reportagem. Em caso de exclusividade, não tão invulgar como se possa pensar, a reportagem e os respeotivos direitos de autor passavam para a publicação fin Ao foto-repórter punha-se frequentemente o problema lega1 dos direitos de autor. A aquisição de um conjunto de clichés por um órgão de informação implicava a transferência dos respectivos direitos de autor. Este problema estava contemplado no art. 457° do Código Penal de 1886, que referia que "todo aquele que cometer o crime de contrafeição, reproduzindo em todo ou em parte, fraudulentamente e com violação das leis e regugamentos relativos à propriedade de autores, alguma obra escrita ou de música, de desenho, de pintura, de escultura ou de qualquer outra produção " será punido".

Benoliel enviava semanalmente mais de 180 fotografias para a Ilustração Portuguesa (placas de vidro, de gelatino-brometo, de formato 9x12 cm). Se acrescentarmos mais umas 50 para as restantes publicações com quem colaborava, obteremos um número próximo das 260 fotografias semanais efectivamente transaccionadas. Este elevado número de imagens não impedia o recurso a outros repórteres, de molde a completar a mancha fotográfica da Ilustração Portuguesa, que chegou a atingir uma tiragem de 24.400 exemplares semanais, em 1908. A crescente procura de novas imagens forçou a especialização e consequente profissionalização do fotógrafo de notícias, obrigando-o a uma constante mobilização e disponibilidade. que conduziu à sua integração na hierarquia dos profissionais do jornalismo e à sua crescente consciencialização profissional.

José Pedro de Aboim Borges

Oeiras, Agosto/Setembro de 1996

Cortesia: Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa


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