Coimbra é excelente na saúde!

E da Matemática, já ouviram falar?

 

Tem sido dito repetidas vezes, em foruns e na comunicação social, que deve ser feita uma aposta estratégica na fileira das Ciências da Saúde para o desenvolvimento de  Coimbra pois a cidade tem neste campo excelentes profissionais. Sem dúvida! Mas já alguém falou na Matemática? Há excelência em várias áreas e a Matemática é uma delas, uma excelência  que se afere por parâmetros universalmente reconhecidos:  número de publicações em revistas internacionais, pertença aos respectivos quadros editoriais, palestras em sessões plenárias de congressos, número e certas características das citações feitas por outros investigadores.

 

Não transpiram porém para o grande público informações sobre o que se faz!  Talvez por culpa dos protagonistas! Espantoso é que há  êxitos que até são anunciados sem deixar perceber ao público que se trata de Matemática!

 

O Centro de Computação Gráfica (CCG): Por ser paradigmático do que acabo de afirmar, começo por recordar quanto os media têm louvado os sucessos deste Centro, sediado em Coimbra, o qual tem desenvolvido produtos solicitados pelas mais variadas entidades, desde o IPPAR à EXPO 98, passando por numerosas aplicações às próprias Ciências da Saúde: ainda há poucos dias se anunciava o seu ecógrafo portátil que irá ligar os HUC aos médicos do Uganda e do Cazaquistão! O que pouca gente parece saber é que a Computação Gráfica é Matemática, aplicada é certo e muito interdisciplinar, mas é Matemática. A Matemática Pura deve muito aos esforços feitos durante séculos para resolver problemas de desenho geométrico: são proverbiais a quadratura do círculo, a duplicação do cubo, a trissecção do ângulo, a construção de polígonos regulares. A Computação Gráfica é herdeira e natural continuadora destes esforços! Ora o CCG emanou do Departamento de Matemática, e o seu director é doutorado e professor do quadro deste departamento, onde aliás se leccionam várias disciplinas, umas de introdução e outras avançadas, de Computação Gráfica! Sendo consensual que uma universidade excelente não vive fechada em si própria, não será então o CCG um indicador de excelência de uma área como a Matemática, Ciência que se diz abstracta mas que está aqui claramente virada para fora?

 

2º. O Centro de Matemática da Universidade de Coimbra (CMUC): No Departamento de Matemática, a maioria dos projectos de investigação funcionam neste centro, uma estrutura que não é um exclusivo de Coimbra pois outras semelhantes funcionam noutras universidades do País. O que gostava porém de  sublinhar é que são quase permanentes no CMUC as visitas de matemáticos (estrangeiros e nacionais) que vêm prosseguir estudos em colaboração com colegas de Coimbra e são numerosos os encontros internacionais sobre temas específicos que aqui reunem os mais famosos nomes do Mundo. E ainda mais importante é que no CMUC têm vindo estagiar e preparar os seus doutoramentos estudantes de fora, alguns de países distantes, orientados por matemáticos da casa; um dos mais recentes foi uma senhora chinesa! Não são pois apenas os portugueses que vão preparar os seus doutoramentos aos países onde há muitos e excelentes investigadores; também já existe uma corrente em sentido inverso! Se isto não atesta a excelência da investigação feita em Coimbra, o que será preciso para a atestar?

 

 

O Centro Internacional de Matemática (CIM): Um terceiro vector para actividades de investigação e desenvolvimento, o CIM não depende do Departamento de Matemática, mas está instalado em espaço que a ele pertence no Complexo do Observatório Astronómico, e a sua existência deve-se essencialmente aos esforços de matemáticos de Coimbra e à disponibilização pelo Departamento de espaço para o instalar. O CIM foi fundado há cinco anos e é um centro de cooperação interuniversitária de abrangência total. No País não pode existir, em qualquer domínio científico, maior abrangência e duvidamos que exista igual. De facto, juridicamente, o CIM é uma associação científica privada sem fins lucrativos que conta entre os seus membros a totalidade das 13 universidades públicas do Continente e Ilhas e a Sociedade Portuguesa de Matemática. A acção do CIM tem-se estado a afirmar de uma maneira cada vez mais sólida como um ponto de encontro de matemáticos e as suas iniciativas têm envolvido especialistas internacionais do maior gabarito que aqui têm ficado períodos por vezes longos, para leccionar, proferir conferências e investigar, em colaboração com outros estrangeiros e com portugueses de Coimbra e de todo o País! Se isto não atesta excelência, simplesmente excelência, o que será preciso para a atestar?

 

A importância do CIM para Coimbra e a Região Centro é, a meu ver, enorme e justifica que faça sobre ele alguns comentários.

 

Tudo indica que o CIM está a entrar na alta roda dos centros congéneres que existem no Mundo, e que virá a representar Portugal junto da União Internacional da Matemática. Mas enquanto os outros (como o CIMPA, de Nice, na França) recebem substanciais apoios financeiros das cidades e das regiões que os acolhem, e dos governos centrais dos respectivos países, o CIM é localmente ignorado e eu perguntaria, por exemplo, ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, ao Senhor Presidente da Assembleia Municipal, ao Senhor Governador Civil e ao Senhor Presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro se se lembram de ter ouvido falar do CIM?

 

O mesmo perguntaria ao Senhor Ministro da Ciência e Tecnologia que me parece só ouvir falar do CIM a alguns que o pretendem sabotar. E porquê sabotá-lo, se é assim tão bom? Porque a existência de um centro destes, de raiz nacional e projecção internacional, ajuda a pôr no mapa-mundo a cidade que o acolhe; ora para os que defendem a bipolarização do País - e eles existem e são astutos! - Coimbra é o inimigo a abater. Vendo a importância do CIM, interessa-lhes estrangulá-lo, pelo menos até conseguirem levar a sede para Lisboa ou para o Porto. Também o Senhor Ministro da Educação veio, em 1997  (mais precisamente a 7 de Dezembro), presidir a um evento organizado pelo CIM. Curioso é que a comunicação social noticiou então a vinda do Ministro mas nem sequer referiu o CIM, a instituição anfitriã, a organizadora do evento. Sintomático... Talvez também porque a própria cidade não promove esta mais-valia que é o CIM, o apoio financeiro vindo destes Ministérios, é o que nós, matemáticos, chamamos infinitesimal...

 

 O Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra (DMUC) e os seus docentes: No DMUC, que serve milhares de alunos,  trabalham perto de 60 doutorados. Pelo número de doutorados é um dos maiores departamentos da Universidade de Coimbra e é um dos maiores departamentos de Matemática do País. Verdadeiramente especial porém é o papel único que desempenha no ensino superior da Matemática  muito para fora das suas portas, especialmente mas não exclusivamente na Região Centro. É que os seus doutorados, no âmbito de protocolos de cooperação, asseguram ou supervisionam o ensino em numerosas universidades e outras instituições universitárias: basta dizer que, no corrente ano lectivo,  há 7 dos seus doutores que apoiam a Universidade Católica Portuguesa, há 5 que apoiam a Universidade da Beira Interior, há 4 que apoiam a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, há outros que apoiam a Universidade de Aveiro, a Universidade Internacional da Figueira da Foz, o Instituto Superior Bissaya Barreto, o ISLA - Instituto Superior de Leiria,  a ARCA-ETAC (instituição privada de ensino artístico e Arquitectura), um curso de mestrado actualmente a decorrer na Universidade do Minho... Se isto não atesta a sua excelência pedagógica, o que será preciso para a atestar?

 

 

A Engenharia Geográfica, um sector emergente: Finalmente o público não saberá que o Departamento oferece um curso de engenharia ainda mais ligado à Matemática que as outras engenharias. Trata-se da Engenharia Geográfica.  O curso está em vias de remodelação e em franco desenvolvimento. Em breve completarão o doutoramento alguns assistentes, que estão a especializar-se junto de instituições estrangeiras. Entretanto e ao contrário dos outros sectores do Departamento, este curso é de momento beneficiário do apoio de outras universidades ou instituições, nomeadamente a Universidade do Porto e o LNEC. Trata-se de um curso de emprego garantido, onde a procura de técnicos excede em muito a oferta de diplomados. O curso tem todos os ingredientes para atrair os jovens candidatos ao ensino superior,  quer gostem de se envolver em tecnologias de ponta como as telecomunicações ou a aeroespacial, quer gostem de Astronomia, Mecânica Celeste, Algoritmia ou Geometria Diferencial, quer gostem de trabalhar num gabinete, quer gostem de o fazer percorrendo (ou sobrevoando) o terreno. A aposta é que também este curso venha a ser excelente entre os poucos congéneres que se oferecem nesta área no nosso País e mostra bem que o crescimento da Matemática e áreas afins ainda não parou. Os gurus da Gestão e do Planeamento insistem que crescimento sustentado é condição indicadora de excelência em qualquer instituição. Não significará o desenvolvimento deste sector que a Matemática em Coimbra  cumpre esse critério também?

 

Para já não aduzirei mais argumentos. Mas há muitos mais e receio até ferir a susceptibilidade daqueles que não mencionei e que também muito estão a contribuir para o reconhecimento, nos circuitos internacionais da Matemática, da excelente qualidade da que se produz, ensina e aplica em Coimbra.

 

J. M. S. Simões Pereira

Professor Catedrático de Matemática

 da Universidade de Coimbra

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Saiu no Diário As Beiras de 4 de Maio de 1999