COIMBRA E A SAÚDE: DO "PET" À UNIVERSIDADE VASCO DA GAMA

 

Fui visitar a Expovita-99 e começo por afirmar o meu respeito pelo esforço dos que idealizaram, organizaram e de qualquer modo se empenharam nesta iniciativa. Avaliada pelo número de visitantes e pela sua qualidade (à data em que escrevo, entre eles se contam já o Presidente da República e a Ministra da Saúde), o certame é um êxito! Quanto ao "slogan" que o inspirou,  acho o "Coimbra, capital da saúde"  gratuitamente provocatório e prefiro-lhe o "Coimbra, cidade da saúde".  Por outro lado não é caso único uma cidade que não é a sede do Governo ter o papel de um grande, ou mesmo do maior, centro médico do seu país. Nos Estados Unidos, é em Atlanta, e não em Washington, que está sediado o Centro Nacional de Controle de Doenças, uma instituição de enorme prestígio nacional e mundial. E é em Houston um dos maiores centros de investigação oncológica. Enfim a pequena cidade de Bethesda alberga o Instituto Nacional de Saúde e, embora vizinha de Washington,  situa-se em Maryland que é outro Estado do qual nem sequer é a capital!

 

Penso porém que o verdadeiro êxito da Expovita se medirá pelo progresso que gerar, se de facto gerar algum. Por exemplo, estimular a iniciativa empresarial ligada à fileira da saúde foi apelo repetidamente ouvido. Há certamente oportunidades de negócio. Mas irá alguém pô-las em  prática?

 

Ouvi também afirmações que muito me preocuparam. Que "ser capital da saúde só depende de Coimbra", foi afirmado pelo Senhor  Presidente da República. Com todo o respeito permito-me discordar de Sua Excelência. É que ser capital da saúde não é só montar exposições, nem mesmo aproveitar o melhor possível as infra-estruturas que se possuem; é isso certamente mas é também, por exemplo, instalar equipamentos de ponta, como o "P.E.T." Será que isso depende só de Coimbra? É construir o Pólo III da Universidade, com as suas Faculdades de Medicina e Farmácia e outros institutos e centros afins. Será que isso depende só de Coimbra?  É construir o novo Hospital Pediátrico cuja localização parece não concitar opiniões unânimes, mas a unanimidade só existe em sociedades apodrecidas e a sua falta não deve atrasar mais a sua construção. Será que isto depende só de Coimbra? Enfim é apoiar todas as iniciativas privadas que têm a ver com a saúde incluindo sem dúvida as mais variadas indústrias mas também e principalmente as que visem o desenvolvimento da Medicina, dos seus serviços, da sua investigação, do seu ensino. Será que esse apoio só vem de Coimbra?

 

Entre tais projectos privados que se propõem ampliar o leque de serviços e actividades na área das Ciências Médicas e da Vida e que, a meu ver, devem ser apoiados sem equívocos, sem hesitações, coerentemente com o que se afirma, impõe-se uma referência a uma grande iniciativa que está em gestação avançada e que vai servir a cidade e o País. Refiro-me à Universidade Vasco da Gama e à sua Faculdade de Medicina. Parece-me que no que depende de Coimbra o trabalho está feito, mas falta a homologação pelos Ministros da Tutela.  E quando nos queixamos da falta de médicos,  da crescente "invasão" do nosso País por médicos espanhois, das altíssimas classificações necessárias para entrar em Medicina (aliás obtidas em disciplinas que não são essenciais na profissão), do elevado número de jovens portugueses que procuram candidatar-se a cursos de Medicina em Espanha, então mais notório se torna que uma tal iniciativa não pode perder-se. Não é o interesse dos espanhois por acções de empresas cotadas na Bolsa de Lisboa ou a aquisição de empresas portuguesas por outras espanholas que deve ser motivo de pânico entre nós; a mais perigosa colonização de Portugal pela Espanha é a que resultará de centenas de jovens portugueses irem estudar para Espanha sem que o movimento recíproco seja perceptível. No projecto que é a Universidade Vasco da Gama, todos são ganhadores: o Estado (leia-se contribuintes), porque ela não custa nada ao erário público; o Governo, porque vem ao encontro das aspirações de eleitores, que são os jovens candidatos aos cursos de Medicina e seus familiares. Obviamente também são ganhadores  estes alunos e seus pais. E ganha sem dúvida o País, na renovada demonstração de que é capaz de fazer coisas novas,  de que tem capacidade organizativa que não se esgotou na Expo-98 ou no Porto-2001. Por isso este projecto deve ser apoiado sem hesitações. O nível dos docentes que já aceitaram em princípio colaborar não oferece dúvidas no que respeita à sua competência. As obras nas instalações que já foram adquiridas decorrem de acordo com os prazos previstos e estarão aptas a receber alunos em Outubro.

 

Mas, insistir-se-á, é a primeira Faculdade de Medicina privada no nosso País e isso levanta problemas novos? Sem dúvida! Será razão para pararmos, receosos e timoratos, perante a novidade? Não será uma característica de "capitalidade" o avançar sem medo perante os desafios que ainda não são rotina? É precisa a colaboração, para a prática clínica, de instituições hospitalares e assistenciais públicas e isso parece assustar alguns pois se trata de uma colaboração entre o público e o privado, já hoje passível de tantas críticas? Mas - para isso há juristas e gestores! - que se encontrem formas de estabelecer protocolos que salvaguardem com transparência os direitos e deveres das partes envolvidas, as quais aliás já informalmente discutiram vários aspectos dessa colaboração. Por outro lado a existência de uma tal Faculdade privada pode bem estimular o aparecimento de mais instituições hospitalares privadas na cidade, a ela associadas.  Nos EUA, as universidades privadas são do mais alto nível; entre nós suscitam um cepticismo por vezes plenamente justificado mas a situação não tem que necessariamente manter-se assim.

 

Para concluir: só me convencerei que Coimbra é capital ou cidade da saúde, se vir o "P.E.T." a ser instalado, o Pediátrico e o Pólo III a serem construídos, a Universidade Vasco da Gama e a sua Faculdade de Medicina homologadas! Menos do que isto no futuro imediato tem um só nome: fracasso. E nesse caso a Expovita-99, apesar do indiscutível valor dos que nela se empenharam, não terá infelizmente passado de mais uma "coimbrada", esforço e esperança que por momentos brilharam mas sem evitar que os projectos, inicialmente sonhados para Coimbra, se transfiram para outras cidades.

 

J. M. S. Simões Pereira

(Professor Universitário)

 

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Publicado no Diário As Beiras de 5 de Julho de 1999