LIVRO I. DOS ELEMENTOS
DE
EUCLIDES


 

PROP. XXIII. PROB.

Em um ponto de uma linha recta dada formar um angulo rectilineo dado ( Fig. 43 ).


Fig. 43

Seja dada a recta AB, e nella o ponto A; e seja dado o angulo rectilineo DCE. Deve-se formar no ponto A, e com a recta dada AB um angulo rectilineo egual ao angulo proposto DCE.

Tomados os pontos D, E, como se quizer, nos lados do angulo DCE, tire-se a recta DE; e com os tres lados, que sejam eguaes á tres rectas CD, DE, EC, se faça ( Pr. 22, 1 ) o triangulo AFG, e seja CD=AF, CE=AG, e DE=FG. Digo, que o angulo FAG será egual ao proposto DCE. Porque as duas DC, CE são eguaes ás duas FA, AG, cada uma a cada uma, e a base DE=FG outra base; será o angulo DCE=FAG ( Pr. 8, 1 ). Logo com a recta dada AB, e no ponto A temos feito o angulo rectilineo FAG egual ao angulo rectilineo dado DCE.

PROP. XXIV. THEOR.

Se dous triangulos tiverem dous lados eguaes a dous lados, cada um a cada um, e um dos angulos comprehendidos pelos lados eguaes for maior, e o outro menor; a base, que estiver opposta ao angulo maior, será maior que a outra base opposta ao angulo menor ( Fig. 44 ).


Fig. 44

Sejam os dous triangulos ABC, DEF, que tenham os lados AB, AC eguaes aos lados DE, DF, cada um a cada um, isto é, o lado AB=DE, e AC=DF; e seja o angulo BAC>EDF. Digo, que será tambem a base BC>EF, que é a outra base.

Seja DE não maior que DF. Com a recta DE e no ponto D faça-se ( Pr. 23, 1 ) o angulo EDG=BAC; e posta DG=DF ( Pr. 3, 1 ), tirem-se as rectas EG, GF. Sendo AB=DE, e AC =DG, serão as duas BA, AC eguaes ás duas ED, DG, cada uma a cada uma. Mas é o angulo BAC=EDG. Logo será a base BC=EG outra base ( Pr. 4, 1 ). E sendo DG=DF, será o angulo DFG=DGF ( Pr. 5, 1 ). Mas é o angulo DGF>EGF. Logo Logo será o angulo DFG>EGF. Logo o angulo EFG é muito maior que o angulo EGF. E porque no triangulo EFG é o angulo EFG>EGF; e ao angulo maior fica opposto o lado tambem maior ( Pr. 19, 1 ), será o lado EG>EF. Mas é EG=BC. Logo será BC>EF.





PROP. XXV. THEOR.

Se em dous triangulos forem dous lados de um eguaes a dous lados de outro, cada um a cada um, e for a base de um triangulo maior que a base do outro; aquelle dos angulos comprehendidos pelos lados eguaes, que ficar opposto á base maior, será maior que o outro opposto á base menor ( Fig. 45 ).


Fig. 45

Sejam os dous triangulos ABC, DEF, que tenham os dous lados AB, AC eguaes aos lados DE, DF, cada um a cada um, isto é, AB=DE, e AC=DF, e seja a base BC>EF. Digo, que será o angulo BAC>EDF.

Se não é BAC>EDF, será ou egual, ou menor. Mas não póde ser BAC=EDF, porque seria BC=EF ( Pr. 4, 1 ) contra o, que temos supposto. Logo não é BAC=EDF. Mas nem póde ser BAC<EDF, porque seria BC<EF ( Pr. 24, 1 ) contra a hypothese. Logo não é BAC<EDF; e por consequencia deve ser BAC>EDF.





PROP. XXVI. THEOR.

Se em dous triangulos dous angulos de um forem eguaes a dous angulos do outro, cada um a cada um, e um lado do primeiro egual a um lado do outro, e forem estes lados ou adjacentes, ou oppostos a angulos eguaes; os outros lados dos dous triangulos serão eguaes aos outros lados, cada um a cada um; e tambem o terceiro angulo será egual ao terceiro ( Fig. 46 ).


Fig. 46

Sejam os dous triangulos ABC, DEF, que tenham os angulos ABC, BCA eguaes aos angulos DEF, EFD, cada um a cada um, isto é, ABC=DEF, e BCA=EFD; e tenham um lado egual a um lado, e sejam estes lados em primeiro lugar adjacentes a angulos eguaes, isto é, BC=EF. Digo, que os outros lados são eguaes aos outros lados, cada um a cada um, isto é AB=DE, e AC=DF; e o angulo BAC=EDF outro angulo.

Se AB, DE não são rectas eguaes, uma dellas será maior. Seja AB maior. Ponha-se BG=DE, e tire-se a recta GC. Sendo BG=DE, e BC=EF, as duas GB, BC seram eguaes ás duas DE, EF, cada uma a cada uma. Mas é o angulo GBC=DEF. Logo será a base GC=DF outra base ( Pr. 4, 1 ); e o triangulo GBC=DEF outro triangulo; e os outros angulos oppostos a lados eguaes serão respectivamente eguaes entre si. Logo será o angulo GCB=DFE. Mas temos posto DFE=BCA. Logo será o angulo BCG=BCA, isto é, um angulo menor egual a um maior, o que não póde ser, e por consequencia AB, DE não são deseguaes. Logo são eguaes. Mas é BC=EF. Logo as duas AB, BC são eguaes ás duas DE, EF, cada uma a cada uma. Mas é tambem o angulo ABC=DEF. Logo será a base AC=DF, que é a outra base, e o angulo BAC=EDF ( Pr. 4, 1 ).

Sejam agora eguaes os lados ( Fig. 47 ), que ficam oppostos a angulos eguaes, isto é, seja AB=DE. Digo outra vez, que os outros lados são eguaes aos outros lados, isto é, AC=DF, e BC=EF; e tambem que é o angulo BAC=EDF.


Fig. 47

Se as rectas BC, EF não são eguaes, uma dellas será maior que a outra. Seja BC, se é possivel, a maior; e posta BH=EF, tire-se a recta AH. Sendo BH=EF, e AB=DE; as duas AB, BH serão eguaes ás duas DE, EF, cada uma a cada. Mas os angulos feitos por estas rectas são eguaes. Logo a base AH será egual á base DF; e o triangulo ABH egual ao triangulo DEF; e os outros angulos eguaes aos outros angulos, segundo ficam oppostos a lados eguaes. Logo será o angulo BHA=EFD. Mas pela hypothese é EFD=BCA. Logo será BHA=BCA; isto é, o angulo externo BHA do triangulo AHC será egual ao interno e opposto BCA, o que não póde ser ( Pr. 16, 1 ). Logo as rectas BC, EF não são deseguaes. Logo são eguaes. Mas é AB=DE. Logo as duas AB, BC são eguaes ás duas DE, EF, cada uma a cada uma. Mas os angulos feitos por ellas são eguaes. Logo é a base AC=DF outra base, e o angulo BAC=EDF.





PROP. XXVII. THEOR.

Se uma recta, cortando outras duas rectas, fizer com ellas os angulos alternos eguaes: as mesmas duas rectas serão parallelas ( Fig. 48 ).


Fig. 48

A recta EF corte as duas outras AB, CD, e faça com ellas os angulos alternos AEF, EFD eguaes. Digo, que AB, CD são duas parallelas.

Se AB, CD não são parallelas, produzidas hão de concorrer ou para as partes B, D, ou para as partes A, C. Produzam-se, e concorram para as partes B, D no ponto G. Logo no triangulo GFE deve ser o angulo externo AEF>EFG, que é o interno e opposto ( Pr. 16, 1 ). Mas pela hypothese era AEF=EFG, o que já não póde ser. Logo as duas rectas AB, CD produzidas para as partes B, D não concorrem. Do mesmo modo se demonstrará, que nem podem concorrer para as partes A, C. Mas as linhas rectas, que produzidas nunca concorrem nem para uma, nem para outra parte, são parallelas ( Def. 35 ). Logo as duas rectas AB, CD são parallelas.





PROP. XVIII. THEOR.

Se uma recta cortar outras duas, e fizer o angulo externo egual ao interno e opposto da mesma parte; ou tambem os dous internos da mesma parte eguaes a dous rectos; as mesmas rectas serão parallelas ( Pr. 49 ).

A recta EF corte as duas AB, CD, e faça o angulo externo EGB=GHD, que é o interno e opposto da mesma parte; ou faça os dous internos da mesma parte BGH, GHD eguaes a dous rectos. Digo, que as rectas AB, CD são parallelas.

Sendo o angulo EGB=GHD, e EGB=AGH ( Pr. 15, 1 ); será AGH=GHD. Mas são alternos. Logo AB será parallela a CD ( Pr. 27, 1 ). E porque os angulos BGH, GHD são eguaes a dous rectos, pela hypothese; e tambem os angulos AGH, BGH são eguaes a dous rectos ( Pr. 13, 1 ); os dous AGH, BGH serão eguaes aos dous BGH, GHD. Logo tirando o angulo commum BGH, ficará AGH=GHD. Mas são alternos. Logo as duas rectas AB, CD são parallelas.





PROP. XXIX. THEOR.

Uma linha recta, que corta duas rectas parallelas, faz os angulos alternos eguaes entre si; o angulo externo egual ao interno e opposto da mesma parte, e finalmente os internos da mesma parte eguaes a dous rectos ( Fig. 49 ).


Fig. 49

A linha recta EF corte as duas AB, CD parallelas. Digo, que fará com ellas os angulos alternos AGH, GHD eguaes; e que o angulo externo EGB será egual ao interno e opposto da mesma parte GHD; e que os internos e da mesma parte BGH, GHD serão eguaes a dous rectos.

Se não for o angulo AGH=GHD, um será maior que o outro. Seja AGH o maior. Sendo AGH>GHD, se ajunctarmos a uma e outra parte o mesmo angulo BGH, os angulos AGH, BGH serão maiores que os angulos BGH, GHD. Mas os angulos AGH, BGH são eguaes a dous rectos ( Pr. 13, 1 ). Logo os angulos BGH, GHD são menores que dous rectos. Mas as rectas, que com outra fazem os angulos internos da mesma parte menores que dous rectos, produzidas ao infinito finalmente concorrem ( Ax. 12 ). Logo as rectas AB, CD produzidas ao infinito concorrem entre si. Mas isto não póde succeder, porque são parallelas. Logo os angulos AGH, GHD não são deseguaes, e por consequencia será AGH=GHD. Mas é tambem AGH=EGB ( Pr. 15, 1 ). Logo será EGB=GHD. Ajuncte-se-lhes o mesmo angulo BGH; serão os angulos EGB, BGH eguaes aos angulos BGH, GHD. Mas EGB, BGH são eguaes a dous rectos ( Pr. 13, 1 ). Logo tambem os angulos BGH, GHD são eguaes a dous rectos ( Vej. as not. a esta Prop. ).





PROP. XXX. THEOR.

As linhas rectas, que são parallelas a uma mesma linha recta, são parallelas entre si ( Fig. 50 ).


Fig. 50

Sejam as rectas AB, CD parallelas á mesma EF. Digo, que as rectas AB, CD são parallelas entre si.

A recta GHK corta as tres rectas AB, EF, CD nos pontos G, H, K. Porque a recta GK corta as duas parallelas AB, EF em G, e H, será o angulo AGH=GHF ( Pr. 29, 1 ). E porque a mesma recta GK corta as parallelas EF, CD em H, e K, será tambem o angulo GHF=GKD. Mas temos visto ser AGK=GHF. Logo será AGK=GKD. Mas são os angulos alternos. Logo as rectas AB, CD são entre si parallelas ( Pr. 27, 1 ).






 

PROP. XXXI. PROB.

De um ponto dado conduzir uma linha recta parellela a outra linha recta dada ( Fig. 51 ).


Fig. 51

Seja o ponto A, e a recta BC. Deve-se do ponto A conduzir uma linha recta, que seja parallela á recta BC.

Tome-se na recta BC um qualquer ponto D, do qual se tire a recta DA para o ponto A. Com a recta DA se faça no ponto A o angulo DAE=ADC ( Pr. 23, 1 ); e se produza EA para F. Digo, que estará feito o, que se pede.

Porque a recta AD cortando as duas BC, EF, faz os angulos alternos EAD, ADC eguaes entre si; será EF parallela a BC ( Pr. 27, 1 ). Logo do ponto A temos conduzido a recta EAF parallela á recta dada BC.





PROP. XXXII. THEOR.

Em todo o triangulo produzido um lado qualquer, o angulo externo é egual aos dous internos e oppostos; e os tres angulos internos de um triangulo são eguaes a dous rectos ( Fig. 52 ).


Fig. 52

Seja o triangulo ABC, e um lado delle BC saja produzido para D. Digo, que o angulo externo ACD é egual aos dous internos e oppostos CAB, ABC; e que os tres angulos internos ABC, BCA, CAB do mesmo triangulo ABC são eguaes a dous rectos.

Pelo ponto C tire-se a recta CE parallela a AB ( Pr. 31, 1 ). Sendo AB, CE parallelas, e cortadas pela recta AC; os angulos alternos BAC, ACE serão eguaes ( Pr. 29, 1 ). E as mesmas parallelas AB, CE, sendo cortadas pela recta BD, o angulo externo ECD será egual ao interno e opposto ABC ( Pr. 29, 1 ). Mas temos demonstrado ser ACE=BAC. Logo o angulo externo e total ACD é egual aos dous internos e oppostos CAB, ABC. Ajuncte-se-lhes o mesmo ACB; e os dous ACD, ACB serão eguaes aos tres CBA, BAC, ACB. Mas os dous ACD, ACB são eguaes a dous rectos ( Pr. 13, 1 ). Logo os tres CBA, BAC, ACB serão tambem eguaes a dous rectos.

COROL. 1. Todos os angulos internos de qualquer figura rectilinea, junctamente com quatro rectos, são eguaes a duas vezes tantos rectos, quantos são os lados da figura ( Fig. 53 ).


Fig. 53

Uma figura rectilinea qualquer ABCDE se póde dividir em tantos triangulos, quantos são os lados da mesma figura, tomando, como se quizer, dentro da figura um ponto F, e tirando deste ponto para todos os angulos da figura outras tantas rectas, como FA, FB, FC, FD, FE. Mas pelas precedente proposição todos os angulos destes triangulos tomados junctamente são eguaes a duas vezes tantos rectos, quantos são os mesmos triamgulos, isto é, quantos são os lados da figura; e ao mesmo tempo os ditos angulos são eguaes aos angulos da figura junctamente com os outros ao redor do ponto F, que é o vertice commum de todos os triangulos, isto é, junctamente com quatro rectos ( Cor. 2, Pr. 15, 1 ). Logo todo os angulos da figura, e mais quatro rectos, são eguaes a duas vezes tantos rectos, quantos são os lados da mesma figura.

COROL. 2. Todos os angulos externos de uma figura qualquer tomado junctamente são eguaes a quatro rectos ( Fig. 54 ).


Fig. 54

O angulo interno ABC junctamente com o externo adjacente ABD é egual a dous rectos ( Pr. 13, 1 ). Logo todos os internos junctamente com todos os externos são eguaes a duas vezes tantos rectos, quantos são os lados da figura; isto é, pelo Corollario precedente, são eguaes a todos os angulos internos da figura junctamente com quatro rectos. Logo tirados os angulos internos, ficarão os externos eguaes a quatro rectos.


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