NONIUS
nš 28 (múltiplo) ISSN 0870-7669 Março-Outubro 1991
Folha Informativa do Projecto "Computação no Ensino da Matemática"

Informática e educação: o mais difícil está por fazer(1)
Jacques Hebenstreit (2)

 

 

É do conhecimento público que os computadores estão hoje presentes na quase totalidade das actividades profissionais, na indústria, comércio e administração e, claro, na investigação.

É não menos conhecido que a chegada dos computadores provocou em toda a parte modificações profundas na prática profissional, quer se trate dos operários e empregados (citaremos apenas o tratamento de texto nos dactilógrafos), nos quadros e engnheiros (CAD, CAM), nos dirigentes (tabuladores, simulações), nos gestores (bases de dados) ou nos investigadores (demonstração de teoremas, estudo em simulação de diversos modelos em biologia, em química, em física, etc).

É tanto mais desolador constatar que o único domínio onde os computadores jogam hoje um papel negligenciável é a educação.

Não é que tenham faltado boas intenções e boas acções. Desde 1970, no ensino primário e no secundário(3), todos os ministros da educação que se sucederam fizeram, neste domínio, esforços que permitiram ao nosso país permanecer no pelotão da frente dos países desenvolvidos. Com efeito, a razão do número de estudantes por computador no primário e no secundário é da mesma ordem que nos EUA, na Inglaterra no Canadá ou na Alemanha, a saber, 50 alunos por micro-computador. Todos os estabelecimentos escolares em França dispõem de pelo menos um computador.

Infelizmente, o esquema não funcionou porque, em vez de ensinar aos alunos como utilizar os computadores nas disciplinas, para fazer de outro modo, com vista a fazer mais ou melhor, que é a única justificação do seu uso, serviram-se dos computadores seja para fazer a mesma coisa que antes seja para criar um ensino de informática que não deixa de ter interesse mas não responde à questão posta.

No ensino superior científico, a situação é mais dramática ainda. Este ensino deve desembocar numa actividade profissional. Ora, na maioria dos casos em vez de ensinar a "nova física", a "nova química", a "nova biologia" ou a "nova matemática", baseada no uso maciço dos computadores, que é a realidade profissional de hoje, contentam-se muitas vezes em ensinar estas disciplinas de modo clássico. Para se ficar com boa consciência juntam-se, para uso dos estudantes, alguns cursos de informática decorando a justaposição destes dois corpos estranhos com o nome pomposo de "dupla formação" ou "dupla competência".

Esta dita "dupla competência" esconde mal a ausência de uma tomada de consciência do corpo docente que a informática sempre e em toda a parte modificou os conteúdos, as técnicas, os métodos, as representações e as estratégias.

Este fenómeno é, de momento, pouco sensível. Principalmente por causa da penúria de computadores: por causa disso, é o docente que tem de decidir quando, como e com que objectivo, utilizar os computadores.

Se nos fiarmos contudo nos últimos anúncios de materiais portáteis e subminiaturas, assim como às máquinas expostas no último SICOB(4), é claro que daqui a alguns anos no máximo, graças à baixa de preços, cada aluno terá no seu bolso ou na sua pasta um verdadeiro computador, equivalente ao que é hoje um PC-compatível.

Esta nova situação marcará uma ruptura radical com a prática actual. O acesso ao computador, com efeito, cessará de ser prescrito pelos docentes, assim como os programas utilizados pelos alunos.

O computador tornar-se-á para o aluno o que ele é em quase toda a parte, a saber uma ferramenta pessoal que ele poderá enfim utilizar como ele desejar, no momento em que ele desejar e com os programas que ele escolher (quer isso agrade quer não agrade ao docente!)

De modo mais preciso, que acontecerá aos cursos de ortografia quando todos os alunos tiverem à mão sistemas de processamento de texto com correcção automática da ortografia? Que acontecerá aos cursos sobre a resolução gráfica das desigualdades quando os alunos tiverem dispositivos de traçados gráficos sofisticados? Que acontecerá aos cursos consagradas às técnicas de resolução de sistemas de equações lineares, ao cálculo das raízes dum polinómio ou simplesmente aos cálculos algébricos quando os alunos tiverem à sua disposição programas que permitam obter o resultado carregando num botão? Que acontecerá ao ensino da física quando os alunos tiverem à mão programas sofisticados de simulação e os computadores permitirem escamotear a quase totalidade das fases dos cálculos, que representam hoje 90% do tempo necessário à resolução de um problema de física?

Poderemos continuar a consagrar muito tempo aos detalhes dos métodos manuais de resolução, uma parte importante dos nossos ensinamentos que serão, inevitavelmente, considerados como irrisórios pelos alunos que disponham de programas sofisticados e rápidos? Além do mais, quem vai chamar a atenção dos alunos para as precauções a tomar quando se utiliza um computador, para o exame crítico dos resultados obtidos, para as verificações a fazer para se assegurar da estabilidade da solução às pequenas variações dos parâmetros, etc... ?

Não é demasiado cedo para reflectir, em cada disciplina, na necessária modificação dos conteúdos dos ensinamentos e das estratégias pedagógicas, neste ambiente novo onde cada estudante terá o seu computador pessoal ao alcance da mão.

A menos que se generalize aos computadores pessoais o que alguns chamam "sindrome das calculadoras", quer dizer a atitude de alguns docentes que fazem muitos esforços para encontrar problemas que não permitam o seu uso. Esperemos que os estudantes de amanhã não aceitem muito tempo um mestre atacado do "síndrome do computador".

 


(1)- tradução de um texto das Actas do colóquio "Les objectifs de la formation scientifique" realizado em Palaiseau na "Ecole Polytechnique" em 28 e 29 de Abril de 1990
(2)- Chefe do serviço informático, Escola Superior de Electricidade, Paris.
(3)- N.R.- em frança
(4)- NR.- Salão Internacional de Comunicação, Computadores e Burótica, que decorre anualmente em Paris.

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